terça-feira, 31 de dezembro de 2013
resoluções
may my heart always be open to little
birds who are the secrets of living
whatever they sing is better than to know
and if men should not hear them men are old
may my mind stroll about hungry
and fearless and thirsty and supple
for even if it's sunday may i be wrong
for whenever men are right they are not young
and may myself do nothing usefully
and love yourself so more than truly
there's never been quite such a fool who could fail
pulling all the sky over him with one smile
53, E.E. Cummings
birds who are the secrets of living
whatever they sing is better than to know
and if men should not hear them men are old
may my mind stroll about hungry
and fearless and thirsty and supple
for even if it's sunday may i be wrong
for whenever men are right they are not young
and may myself do nothing usefully
and love yourself so more than truly
there's never been quite such a fool who could fail
pulling all the sky over him with one smile
53, E.E. Cummings
segunda-feira, 30 de dezembro de 2013
viagens e mapas e paixões
I am attracted to the idea
of your lips
exploring my body
as if it were a map
and you kept getting lost
on purpose.
(algures nessa doida da internet)
of your lips
exploring my body
as if it were a map
and you kept getting lost
on purpose.
(algures nessa doida da internet)
lambarices
Mind and Heart
unaccountably we are alone
forever alone
and it was meant to be
that way,
it was never meant
to be any other way–
and when the death struggle
begins
the last thing I wish to see
is
a ring of human faces
hovering over me–
better just my old friends,
the walls of my self,
let only them be there.
I have been alone but seldom
lonely.
I have satisfied my thirst
at the well
of my self
and that wine was good,
the best I ever had,
and tonight
sitting
staring into the dark
I now finally understand
the dark and the
light and everything
in between.
peace of mind and heart
arrives
when we accept what
is:
having been
born into this
strange life
we must accept
the wasted gamble of our
days
and take some satisfaction in
the pleasure of
leaving it all
behind.
cry not for me.
grieve not for me.
read
what I’ve written
then
forget it
all.
drink from the well
of your self
and begin
again.
Charles Bukowski
unaccountably we are alone
forever alone
and it was meant to be
that way,
it was never meant
to be any other way–
and when the death struggle
begins
the last thing I wish to see
is
a ring of human faces
hovering over me–
better just my old friends,
the walls of my self,
let only them be there.
I have been alone but seldom
lonely.
I have satisfied my thirst
at the well
of my self
and that wine was good,
the best I ever had,
and tonight
sitting
staring into the dark
I now finally understand
the dark and the
light and everything
in between.
peace of mind and heart
arrives
when we accept what
is:
having been
born into this
strange life
we must accept
the wasted gamble of our
days
and take some satisfaction in
the pleasure of
leaving it all
behind.
cry not for me.
grieve not for me.
read
what I’ve written
then
forget it
all.
drink from the well
of your self
and begin
again.
Charles Bukowski
sexta-feira, 20 de dezembro de 2013
coisas simples
The Laughing Heart
your life is your life
don’t let it be clubbed into dank submission.
be on the watch.
there are ways out.
there is a light somewhere.
it may not be much light but
it beats the darkness.
be on the watch.
the gods will offer you chances.
know them.
take them.
you can’t beat death but
you can beat death in life, sometimes.
and the more often you learn to do it,
the more light there will be.
your life is your life.
know it while you have it.
you are marvelous
the gods wait to delight
in you.
Charles Bukowski
N.B. - especial agradecimento à Mais-que-Tudo.
your life is your life
don’t let it be clubbed into dank submission.
be on the watch.
there are ways out.
there is a light somewhere.
it may not be much light but
it beats the darkness.
be on the watch.
the gods will offer you chances.
know them.
take them.
you can’t beat death but
you can beat death in life, sometimes.
and the more often you learn to do it,
the more light there will be.
your life is your life.
know it while you have it.
you are marvelous
the gods wait to delight
in you.
Charles Bukowski
N.B. - especial agradecimento à Mais-que-Tudo.
frases que tinham tudo para dar certo
"Olha que é pequenino mas aleija!"
A Mais-que-Tudo e um mini guarda-chuva.
A Mais-que-Tudo e um mini guarda-chuva.
quinta-feira, 19 de dezembro de 2013
a propósito
Thursday Mornings
1. I want to kiss
patterns on your skin
that traces the lines
the blinds create.
2. You have the
perfect smell
of sex and lust and sadness.
3. I feel you in
my veins.
4. Please don’t leave.
Michelle K.
1. I want to kiss
patterns on your skin
that traces the lines
the blinds create.
2. You have the
perfect smell
of sex and lust and sadness.
3. I feel you in
my veins.
4. Please don’t leave.
Michelle K.
quarta-feira, 18 de dezembro de 2013
frases que tinham tudo para dar certo
"Queres meter aqui que eu deixo?"
A Sónia, um dia de calor, um casaco, o carrinho do pequeno Santiago e o sentido prático da vida.
A Sónia, um dia de calor, um casaco, o carrinho do pequeno Santiago e o sentido prático da vida.
envergonhe-se
«O filme intitula-se com uma expressão anglo-normanda "Honi soit qui mal y pense", que traduzida significa "envergonhe-se quem pensa mal disto" e ganha, este mês, o terceiro prémio do maior festival de curtas do mundo, na Austrália. O prémio do Tropfest Australiano foi-lhe entregue no início deste mês.
Tom Abood entrou para o exército australiano aos dezoito anos e, em 2012, com 21 anos formou-se em Artes nos Media, na universidade de Macquarie.»
Aqui
coisas simples ao pequeno-almoço
«Os cidadãos não poderiam dormir tranquilos se soubessem como são feitas as salsichas e as leis.»
Otto von Bismarck
Otto von Bismarck
terça-feira, 17 de dezembro de 2013
coisas simples
He Zhiwu, Cop 223: If memories could be canned, would they also have expiry dates? If so, I hope they last for centuries.
Chungking Express, Wong Kar Wai
Chungking Express, Wong Kar Wai
sexta-feira, 13 de dezembro de 2013
heróis
O último abraço que me dás
O lugar onde, até hoje, senti mais orgulho em ser pessoa foi o Serviço de Oncologia do Hospital de Santa Maria, onde a elegância dos doentes os transforma em reis. Numa das últimas vezes que lá fui encontrei um homem que conheço há muitos anos. Estava tão magro que demorei a perceber quem era. Disse-me
- Abrace-me porque é o último abraço que me dá
durante o abraço
- Tenho muita pena de não acabar a tese de doutoramento
e, ao afastarmo-nos, sorriu. Nunca vi um sorriso com tanta dor entre parêntesis, nunca imaginei que fosse tão bonito.
Com o meu corpo contra o dele veio-me à cabeça, instantâneo, o fragmento de um poema do meu amigo Alexandre O'Neill, que diz que apenas entre os homens, e por eles, vale a pena viver. E descobri-me cheio de respeito e amor. Um rapaz, de cerca de vinte anos, que fazia quimioterapia ao pé de mim, numa determinação tranquila:
- Estou aqui para lutar
e, por estranho que pareça, havia alegria em cada gesto seu. Achei nele o medo também, mais do que o medo, o terror e, ao mesmo tempo que o terror, a coragem e a esperança.
A extraordinária delicadeza e atenção dos médicos, dos enfermeiros, comoveu-me. Tropecei no desespero, no malestar físico, na presença da morte, na surpresa da dor, na horrível solidão da proximidade do fim, que se me afigura de uma injustiça intolerável. Não fomos feitos para isto, fomos feitos para a vida. O cabelo cresce-me de novo, acho-me, fisicamente, como antes, estou a acabar o livro e o meu pensamento desvia-se constantemente para a voz de um homem no meu ouvido
- Acabar a tese de doutoramento, acabar a tese de doutoramento, acabar a tese de doutoramento
porque não aceito a aceitação, porque não aceito a crueldade, porque não aceito que destruam companheiros. A rapariga com a peruca no braço da cadeira. O senhor que não olhava para ninguém, olhava para o vazio. Ali, na sala de quimioterapia, jamais escutei um gemido, jamais vi uma lágrima. Somente feições sérias, de uma seriedade que não topei em mais parte alguma, rostos com o mundo inteiro em cada prega, traços esculpidos a fogo na pele. Vi morrer gente quando era médico, vi morrer gente na guerra, e continuo sem compreender. Isso eu sei que não compreenderei. Que me espanta. Que me faz zangar. Abrace-me porque é o último abraço que me dá: é uma frase que se entenda, esta? Morreu há muito pouco tempo. Foda-se. Perdoem esta palavra mas é a única que me sai. Foda-se. Quando eu era pequeno ninguém morria. Porque carga de água se morre agora, pelo simples facto de eu ter crescido? Morra um homem fique fama, declaravam os contrabandistas da raia. Se tivermos sorte alguém se lembrará de nós com saudade. De mim ficarão os livros. E depois? Tolstoi, no seu diário: sou o melhor; e depois? E depois nada porque a fama é nada.
O que é muito mais do que nada são estas criaturas feridas, a recordação profundamente lancinante de uma peruca de mulher num braço de cadeira. Se eu estivesse ali sozinho, sem ninguém a ver-me, acariciava uma daquelas madeixas horas sem fim. No termo das sessões de quimioterapia as pessoas vão-se embora. Ao desaparecerem na porta penso: o que farão agora? E apetece-me ir com eles, impedir que lhes façam mal:
- Abrace-me porque talvez não seja o último abraço que me dá.
Ao M. foi. E pode afigurar-se estranho mas ainda o trago na pele. Durante quanto tempo vou ficar com ele tatuado? O lugar onde, até hoje, senti mais orgulho em ser pessoa foi o Serviço de Oncologia do Hospital de Santa Maria onde a dignidade dos escravos da doença os transforma em gigantes, onde só existem, nas palavras do Luís, Heróis.
Onde só existem Heróis. Não estou doente agora. Não sei se voltarei a estar. Se voltar a estar, embora não chegue aos calcanhares de herói algum, espero comportar-me como um homem. Oxalá o consiga. Como escreveu Torga o destino destina mas o resto é comigo. E é. Muito boa tarde a todos e as melhoras: é assim que se despedem no Serviço de Oncologia. Muito boa tarde a todos e até já, mesmo que seja o último abraço que damos.
António Lobo Antunes, aqui.
O lugar onde, até hoje, senti mais orgulho em ser pessoa foi o Serviço de Oncologia do Hospital de Santa Maria, onde a elegância dos doentes os transforma em reis. Numa das últimas vezes que lá fui encontrei um homem que conheço há muitos anos. Estava tão magro que demorei a perceber quem era. Disse-me
- Abrace-me porque é o último abraço que me dá
durante o abraço
- Tenho muita pena de não acabar a tese de doutoramento
e, ao afastarmo-nos, sorriu. Nunca vi um sorriso com tanta dor entre parêntesis, nunca imaginei que fosse tão bonito.
Com o meu corpo contra o dele veio-me à cabeça, instantâneo, o fragmento de um poema do meu amigo Alexandre O'Neill, que diz que apenas entre os homens, e por eles, vale a pena viver. E descobri-me cheio de respeito e amor. Um rapaz, de cerca de vinte anos, que fazia quimioterapia ao pé de mim, numa determinação tranquila:
- Estou aqui para lutar
e, por estranho que pareça, havia alegria em cada gesto seu. Achei nele o medo também, mais do que o medo, o terror e, ao mesmo tempo que o terror, a coragem e a esperança.
A extraordinária delicadeza e atenção dos médicos, dos enfermeiros, comoveu-me. Tropecei no desespero, no malestar físico, na presença da morte, na surpresa da dor, na horrível solidão da proximidade do fim, que se me afigura de uma injustiça intolerável. Não fomos feitos para isto, fomos feitos para a vida. O cabelo cresce-me de novo, acho-me, fisicamente, como antes, estou a acabar o livro e o meu pensamento desvia-se constantemente para a voz de um homem no meu ouvido
- Acabar a tese de doutoramento, acabar a tese de doutoramento, acabar a tese de doutoramento
porque não aceito a aceitação, porque não aceito a crueldade, porque não aceito que destruam companheiros. A rapariga com a peruca no braço da cadeira. O senhor que não olhava para ninguém, olhava para o vazio. Ali, na sala de quimioterapia, jamais escutei um gemido, jamais vi uma lágrima. Somente feições sérias, de uma seriedade que não topei em mais parte alguma, rostos com o mundo inteiro em cada prega, traços esculpidos a fogo na pele. Vi morrer gente quando era médico, vi morrer gente na guerra, e continuo sem compreender. Isso eu sei que não compreenderei. Que me espanta. Que me faz zangar. Abrace-me porque é o último abraço que me dá: é uma frase que se entenda, esta? Morreu há muito pouco tempo. Foda-se. Perdoem esta palavra mas é a única que me sai. Foda-se. Quando eu era pequeno ninguém morria. Porque carga de água se morre agora, pelo simples facto de eu ter crescido? Morra um homem fique fama, declaravam os contrabandistas da raia. Se tivermos sorte alguém se lembrará de nós com saudade. De mim ficarão os livros. E depois? Tolstoi, no seu diário: sou o melhor; e depois? E depois nada porque a fama é nada.
O que é muito mais do que nada são estas criaturas feridas, a recordação profundamente lancinante de uma peruca de mulher num braço de cadeira. Se eu estivesse ali sozinho, sem ninguém a ver-me, acariciava uma daquelas madeixas horas sem fim. No termo das sessões de quimioterapia as pessoas vão-se embora. Ao desaparecerem na porta penso: o que farão agora? E apetece-me ir com eles, impedir que lhes façam mal:
- Abrace-me porque talvez não seja o último abraço que me dá.
Ao M. foi. E pode afigurar-se estranho mas ainda o trago na pele. Durante quanto tempo vou ficar com ele tatuado? O lugar onde, até hoje, senti mais orgulho em ser pessoa foi o Serviço de Oncologia do Hospital de Santa Maria onde a dignidade dos escravos da doença os transforma em gigantes, onde só existem, nas palavras do Luís, Heróis.
Onde só existem Heróis. Não estou doente agora. Não sei se voltarei a estar. Se voltar a estar, embora não chegue aos calcanhares de herói algum, espero comportar-me como um homem. Oxalá o consiga. Como escreveu Torga o destino destina mas o resto é comigo. E é. Muito boa tarde a todos e as melhoras: é assim que se despedem no Serviço de Oncologia. Muito boa tarde a todos e até já, mesmo que seja o último abraço que damos.
António Lobo Antunes, aqui.
quinta-feira, 12 de dezembro de 2013
coisas simples
Fotografamos aquele quadro naquele museu. Fotografamos o almoço de domingo e os preparativos da consoada. Fotografamos a partida para as férias, as férias e o regresso de férias. Fotografamos por fotografar. E lembramo-nos desses momentos? Nem por isso.
"As pessoas sacam das máquinas fotográficas quase sem pensar para capturar um momento, a tal ponto que estão a perder o que está a acontecer mesmo à sua frente". Nunca o sentido desta frase foi tão literal. Linda Henkel, investigadora na área da Psicologia, apresentou dados que sustentam a teoria de que as pessoas guardam menos memórias dos objectos quando os fotografam.
A experiência, cujos resultados foram publicados na revista Psychological Science, foi montada o Museu de Arte Bellarmine, na Universidade de Fairfield, nos Estados Unidos. Vinte e oito estudantes universitários foram conduzidos através das salas do museu e convidados a prestarem atenção a determinados objectos (15 com e outros tantos sem recurso a máquina fotográfica ou smartphone). No dia seguinte, a memória dos mesmo estudantes foi testada.
Os resultados revelaram que os alunos tinham prestado mais atenção aos objectos que não tinham captado com as lentes, aquilo a que a investigadora apelida de "photo-taking-impairment effect". "Quando as pessoas contam com a tecnologia para se lembrarem por elas — quando contam com a máquina para gravar um evento e por isso não precisam elas próprias de se lembrar dele —, isso pode ter um efeito negativo na forma como elas recordam as suas experiências", explica a cientista no site da Associação para as Ciências da Psicologia.
A teoria sofre um desvio sempre que algum aluno fez “zoom”, focalizando a sua atenção num determinado pormenor de um objecto. Um detalhe fotografado permite fixar a memória futura desse objecto como um todo e não apenas desse pormenor. "Isso revela que o olhar da mente e o olhar da câmara não é o mesmo", conclui Henkel, que agora pretende perceber se a fotografia recorrente influencia a memória no futuro, principalmente tendo em conta que esta foi uma experiência em ambiente controlado. Como será que se comporta o cérebro em circunstâncias normais e com situações que realmente querermos recordar?
Muitos poderão argumentar que as fotos servem precisamente para-mais-tarde-recordar. Este estudo também tem uma resposta na ponta da língua: "A quantidade de fotos e a falta de organização dos arquivos digitais pessoais desencoraja muitas pessoas de acederem aos mesmos. Para nos recordarmos das situações, temos de aceder aos ficheiros e interagir com eles e não apenas fotografar e acumular".
Luís Octávio Costa, aqui
E a propósito:
Louis CK - Stupid Facebook Posts
"As pessoas sacam das máquinas fotográficas quase sem pensar para capturar um momento, a tal ponto que estão a perder o que está a acontecer mesmo à sua frente". Nunca o sentido desta frase foi tão literal. Linda Henkel, investigadora na área da Psicologia, apresentou dados que sustentam a teoria de que as pessoas guardam menos memórias dos objectos quando os fotografam.
A experiência, cujos resultados foram publicados na revista Psychological Science, foi montada o Museu de Arte Bellarmine, na Universidade de Fairfield, nos Estados Unidos. Vinte e oito estudantes universitários foram conduzidos através das salas do museu e convidados a prestarem atenção a determinados objectos (15 com e outros tantos sem recurso a máquina fotográfica ou smartphone). No dia seguinte, a memória dos mesmo estudantes foi testada.
Os resultados revelaram que os alunos tinham prestado mais atenção aos objectos que não tinham captado com as lentes, aquilo a que a investigadora apelida de "photo-taking-impairment effect". "Quando as pessoas contam com a tecnologia para se lembrarem por elas — quando contam com a máquina para gravar um evento e por isso não precisam elas próprias de se lembrar dele —, isso pode ter um efeito negativo na forma como elas recordam as suas experiências", explica a cientista no site da Associação para as Ciências da Psicologia.
A teoria sofre um desvio sempre que algum aluno fez “zoom”, focalizando a sua atenção num determinado pormenor de um objecto. Um detalhe fotografado permite fixar a memória futura desse objecto como um todo e não apenas desse pormenor. "Isso revela que o olhar da mente e o olhar da câmara não é o mesmo", conclui Henkel, que agora pretende perceber se a fotografia recorrente influencia a memória no futuro, principalmente tendo em conta que esta foi uma experiência em ambiente controlado. Como será que se comporta o cérebro em circunstâncias normais e com situações que realmente querermos recordar?
Muitos poderão argumentar que as fotos servem precisamente para-mais-tarde-recordar. Este estudo também tem uma resposta na ponta da língua: "A quantidade de fotos e a falta de organização dos arquivos digitais pessoais desencoraja muitas pessoas de acederem aos mesmos. Para nos recordarmos das situações, temos de aceder aos ficheiros e interagir com eles e não apenas fotografar e acumular".
Luís Octávio Costa, aqui
E a propósito:
Louis CK - Stupid Facebook Posts
quarta-feira, 11 de dezembro de 2013
coisas simples
«The Portuguese, they like our music because they’re all horny and depressed.»
Matt Berninger, vocalista dos The National
Matt Berninger, vocalista dos The National
terça-feira, 10 de dezembro de 2013
coisas (literalmente) simples
«Se não consegues pensar antes de falar, escreve. Se não consegues pensar antes de escrever, lê. Se não consegues vai ao médico.»
Aldina Duarte
Aldina Duarte
a ver
«On the beaches of Kenya, they're known as "Sugar Mamas:" European women who seek out African boys, selling love to earn a living. Teresa, a 50-year-old Austrian and mother of a daughter entering puberty, travels to this vacation paradise. She goes from one Beach Boy to the next, from one disappointment to the next, and finally she must recognize: on the beaches of Kenya, love is a business.»
Paradies: Liebe, 2012
sexta-feira, 6 de dezembro de 2013
dias tristes
«It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll,
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul.»
Madiba
N.B. - especial agradecimento à Voa Voa.
How charged with punishments the scroll,
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul.»
Madiba
N.B. - especial agradecimento à Voa Voa.
acorde(s)!
Devendra Banhart - Für Hildegard von Bingen
N.B. - especial agradecimento à Mais-que-Tudo.
seguro-o
«Se estiver tudo errado, comece novamente. Se estiver tudo certo continue. Se sentir saudades, mate-a. Se perder um amor, não se perca. Mas, se o achar, segure-o.»
Fernando Pessoa
Fernando Pessoa
quinta-feira, 5 de dezembro de 2013
grandes rebeldes
«Herberto Helder é a prova de que a poesia não perdeu ainda completamente o seu poder de irradiação
Quando aparece um novo livro de Herberto Helder, como aconteceu este ano, o curso habitual do nosso mundo literário, o pequeno sistema que o alimenta e lhe dá forma, interrompe o seu curso, entra em sobressalto e declara o estado de excepção. Foi o que sucedeu com Servidões, objecto de uma corrida especulativa ainda os três mil exemplares da edição única não tinham chegado às livrarias. De repente, toda a ordem editorial e o sistema de comercialização dos livros foram assaltados na sua lógica, até pelas imposições de uma soberania autoral — um exercício olímpico de autonomia e autoridade simbólica do poeta — de carácter intempestivo, isto é, que não coincide exactamente com o seu próprio tempo.
Os motivos do assalto podem ser muito mais profanos do que o objecto que os sustenta, mas valem, pelo menos, como sintoma de um poderoso efeito de Herberto Helder na literatura portuguesa contemporânea. O seu “ofício cantante” traz consigo uma memória da poesia e da figura do poeta que dificilmente imaginávamos que podia ser restaurada e para a qual talvez seja necessário usar uma noção do campo da teologia, que Walter Benjamin reactivou no plano da obra de arte: aura. Acresce que a total ausência do poeta no espaço público mediático é um factor de intensificação da aura.
Vindo do fundo dos tempos, sem deixar de ser profundamente de hoje, a poesia de Herberto Helder nasce de uma experiência anacrónica do tempo histórico, de uma constelação de tempos e geografias diferentes, onde, por exemplo, a poesia mais moderna se encontra com a palavra poética de universos mágicos, ainda não secularizados. Deste modo, ela abre uma perspectiva que não tem nada da continuidade narrativa que subjaz a esta ideia de história. E, por isso, pode constituir um rectificativo ou mesmo uma desautorização destes balanços ritualizados na sua cadência, aptos a criar a falsa aparência de que o tempo se converte imediatamente em história, numa incessante actualização que satisfaz a exigência de novidade — esse traço niilista e decadente.
Em suma: há na obra de Herberto Helder uma razão poética que não coincide com a razão histórica em que estamos mergulhados. E é precisamente esse desajuste que fascina, interrompe e aterroriza. Porque ela situa-se claramente do lado do terror. A força mágica da palavra poética, o estremecimento perante novos universos — diabólicos — de significação, a força da proferição: é a esta experiência que acedem os leitores de Herberto Helder.
Mas Servidões não é o único livro de poesia da lista, nem o seu autor eclipsa os seus contemporâneos. O que prova que a poesia não perdeu ainda completamente o seu poder de irradiação. Obrigada a uma circulação muito mais restrita, ela beneficia no entanto de uma autonomia que as regras do campo literário já não concedem ao romance.
O modo como cada um dos intervenientes na elaboração desta lista entende que, a par de muitas outras incomensurabilidades, há também aquela entre a literatura nacional, por um lado, e as literaturas traduzidas, por outro, determina certamente as escolhas. A lista, pela quantidade de livros portugueses que exibe, mostra que há alguma tendência para considerar separadamente a literatura nacional e não deixar que ela se dilua completamente na massa dos livros traduzidos. De facto, nos últimos anos cresceu de maneira avassaladora a literatura traduzida.
Mas, paradoxalmente, isso não significa que tenha aumentado a diversidade dos géneros e dos tipos de livros e se tenha alargado o leque das literaturas nacionais com presença satisfatória na edição portuguesa. Pelo contrário, ao enorme aumento corresponde um simétrico estreitamento da diversidade dos géneros e das representações nacionais. A literatura de língua inglesa fornece o contingente esmagador dos livros traduzidos, e o que sobra são uns títulos avulsos cuja origem se distribui pelo continente europeu e pelo resto do mundo. Mesmo literaturas com as quais mantivemos ao longo da história um diálogo fecundo e que sempre considerámos mais próximas (a literatura francesa, a literatura espanhola, a literatura italiana, a literatura alemã) não têm hoje qualquer expressão no mercado editorial português.
O fenómeno, sempre crescente, a que temos assistido há mais de uma década pode ser assim descrito: tal como o volume de vendas está cada vez mais concentrado em poucos títulos (o fenómeno do best seller era quase desconhecido em Portugal há 20 anos, enquanto hoje se generalizou) as espécies bibliográficas — sejam elas entendidas segundo o critério dos géneros e formas literárias, sejam elas entendidas do ponto de vista dos temas — e a diversidade linguística diminuíram drasticamente. Os entrepostos de livros em que se transformaram as livrarias só aos mais incautos conseguem esconder que, na verdade, à grande quantidade de títulos novos expostos não corresponde uma real diversidade. A diversidade torna-se mais facilmente encontrável nas poucas e pequenas livrarias independentes que ainda restam, mas que vão sucumbindo em cadeia.
Não há provavelmente mercadoria mais vulnerável ao jogo fraudulento das aparências do que os livros. Por isso, até é possível aparentar uma certa normalidade na edição e no mercado dos livros, quando tudo é anomalia, as regras mais básicas do mercado foram pervertidas e se generalizou uma guerra silenciosa, mas implacável, que condena muitos livros à inexistência ou a uma existência quase clandestina nas livrarias.»
António Guerreiro, aqui, sendo que podem ler um excerto do livro aqui.
Podem ainda escutar os sete primeiros poemas de «Servidões», ditos por Fernando Alves, aqui. Tudo legal, atenção!
Quando aparece um novo livro de Herberto Helder, como aconteceu este ano, o curso habitual do nosso mundo literário, o pequeno sistema que o alimenta e lhe dá forma, interrompe o seu curso, entra em sobressalto e declara o estado de excepção. Foi o que sucedeu com Servidões, objecto de uma corrida especulativa ainda os três mil exemplares da edição única não tinham chegado às livrarias. De repente, toda a ordem editorial e o sistema de comercialização dos livros foram assaltados na sua lógica, até pelas imposições de uma soberania autoral — um exercício olímpico de autonomia e autoridade simbólica do poeta — de carácter intempestivo, isto é, que não coincide exactamente com o seu próprio tempo.
Os motivos do assalto podem ser muito mais profanos do que o objecto que os sustenta, mas valem, pelo menos, como sintoma de um poderoso efeito de Herberto Helder na literatura portuguesa contemporânea. O seu “ofício cantante” traz consigo uma memória da poesia e da figura do poeta que dificilmente imaginávamos que podia ser restaurada e para a qual talvez seja necessário usar uma noção do campo da teologia, que Walter Benjamin reactivou no plano da obra de arte: aura. Acresce que a total ausência do poeta no espaço público mediático é um factor de intensificação da aura.
Vindo do fundo dos tempos, sem deixar de ser profundamente de hoje, a poesia de Herberto Helder nasce de uma experiência anacrónica do tempo histórico, de uma constelação de tempos e geografias diferentes, onde, por exemplo, a poesia mais moderna se encontra com a palavra poética de universos mágicos, ainda não secularizados. Deste modo, ela abre uma perspectiva que não tem nada da continuidade narrativa que subjaz a esta ideia de história. E, por isso, pode constituir um rectificativo ou mesmo uma desautorização destes balanços ritualizados na sua cadência, aptos a criar a falsa aparência de que o tempo se converte imediatamente em história, numa incessante actualização que satisfaz a exigência de novidade — esse traço niilista e decadente.
Em suma: há na obra de Herberto Helder uma razão poética que não coincide com a razão histórica em que estamos mergulhados. E é precisamente esse desajuste que fascina, interrompe e aterroriza. Porque ela situa-se claramente do lado do terror. A força mágica da palavra poética, o estremecimento perante novos universos — diabólicos — de significação, a força da proferição: é a esta experiência que acedem os leitores de Herberto Helder.
Mas Servidões não é o único livro de poesia da lista, nem o seu autor eclipsa os seus contemporâneos. O que prova que a poesia não perdeu ainda completamente o seu poder de irradiação. Obrigada a uma circulação muito mais restrita, ela beneficia no entanto de uma autonomia que as regras do campo literário já não concedem ao romance.
O modo como cada um dos intervenientes na elaboração desta lista entende que, a par de muitas outras incomensurabilidades, há também aquela entre a literatura nacional, por um lado, e as literaturas traduzidas, por outro, determina certamente as escolhas. A lista, pela quantidade de livros portugueses que exibe, mostra que há alguma tendência para considerar separadamente a literatura nacional e não deixar que ela se dilua completamente na massa dos livros traduzidos. De facto, nos últimos anos cresceu de maneira avassaladora a literatura traduzida.
Mas, paradoxalmente, isso não significa que tenha aumentado a diversidade dos géneros e dos tipos de livros e se tenha alargado o leque das literaturas nacionais com presença satisfatória na edição portuguesa. Pelo contrário, ao enorme aumento corresponde um simétrico estreitamento da diversidade dos géneros e das representações nacionais. A literatura de língua inglesa fornece o contingente esmagador dos livros traduzidos, e o que sobra são uns títulos avulsos cuja origem se distribui pelo continente europeu e pelo resto do mundo. Mesmo literaturas com as quais mantivemos ao longo da história um diálogo fecundo e que sempre considerámos mais próximas (a literatura francesa, a literatura espanhola, a literatura italiana, a literatura alemã) não têm hoje qualquer expressão no mercado editorial português.
O fenómeno, sempre crescente, a que temos assistido há mais de uma década pode ser assim descrito: tal como o volume de vendas está cada vez mais concentrado em poucos títulos (o fenómeno do best seller era quase desconhecido em Portugal há 20 anos, enquanto hoje se generalizou) as espécies bibliográficas — sejam elas entendidas segundo o critério dos géneros e formas literárias, sejam elas entendidas do ponto de vista dos temas — e a diversidade linguística diminuíram drasticamente. Os entrepostos de livros em que se transformaram as livrarias só aos mais incautos conseguem esconder que, na verdade, à grande quantidade de títulos novos expostos não corresponde uma real diversidade. A diversidade torna-se mais facilmente encontrável nas poucas e pequenas livrarias independentes que ainda restam, mas que vão sucumbindo em cadeia.
Não há provavelmente mercadoria mais vulnerável ao jogo fraudulento das aparências do que os livros. Por isso, até é possível aparentar uma certa normalidade na edição e no mercado dos livros, quando tudo é anomalia, as regras mais básicas do mercado foram pervertidas e se generalizou uma guerra silenciosa, mas implacável, que condena muitos livros à inexistência ou a uma existência quase clandestina nas livrarias.»
António Guerreiro, aqui, sendo que podem ler um excerto do livro aqui.
Podem ainda escutar os sete primeiros poemas de «Servidões», ditos por Fernando Alves, aqui. Tudo legal, atenção!
lambarices & pequenos estóicos
Ward Miles (o pequeno estóico), First Year
"This video sums up my son's first year. He was born way too early, and the obstacles he had to overcome were really big, but not bigger than our God", Benjamin Miller (o pai do pequeno estóico).
N.B. - peço desculpa pela música mas não fui eu que escolhi.
amor & coisas simples
I see a future with you.
I see a boy and a girl in their twenties,
eloping at dawn, trying to leave this tropical
country they lived in. We are born to be lost.
Yet we will find each other and together
we will turn right to left, north to south and east to west.
I see you in your backpack and I see a girl
in her duffle bag with nothing inside it
but a pair of gloves. You will wear one glove
in your left palm and I’ll wear it on my right
and together we will express our warmth
through stares and sighs. I see a boy and a girl
in their twenties, conquering Europe while inside
a hop on-hop off bus with their unlimited eurail pass.
We shall conquer the trans-siberian railway.
We will kiss in London, make love in Russia
until we have nothing left with us but
passion in Beijing, China. We will do this
for 42 days and honey, I’ll never tire of you.
You are my most awaited autumn.
I do not find this love poetic but not
all poems are beautiful after all. Sometimes
what we have is a love-hate letter.
Messy graffiti on the wall. A post-it note.
War and chaos. Tragedy. But whatever it is
that we have, there is no name for it
and no matter how far we reach in this journey,
one thing is for sure. We will always come home
with and in each other because this is a place
we’ve always belong to.
irishjulienne’s, 'home is wherever i find you'
I see a boy and a girl in their twenties,
eloping at dawn, trying to leave this tropical
country they lived in. We are born to be lost.
Yet we will find each other and together
we will turn right to left, north to south and east to west.
I see you in your backpack and I see a girl
in her duffle bag with nothing inside it
but a pair of gloves. You will wear one glove
in your left palm and I’ll wear it on my right
and together we will express our warmth
through stares and sighs. I see a boy and a girl
in their twenties, conquering Europe while inside
a hop on-hop off bus with their unlimited eurail pass.
We shall conquer the trans-siberian railway.
We will kiss in London, make love in Russia
until we have nothing left with us but
passion in Beijing, China. We will do this
for 42 days and honey, I’ll never tire of you.
You are my most awaited autumn.
I do not find this love poetic but not
all poems are beautiful after all. Sometimes
what we have is a love-hate letter.
Messy graffiti on the wall. A post-it note.
War and chaos. Tragedy. But whatever it is
that we have, there is no name for it
and no matter how far we reach in this journey,
one thing is for sure. We will always come home
with and in each other because this is a place
we’ve always belong to.
irishjulienne’s, 'home is wherever i find you'
quarta-feira, 4 de dezembro de 2013
é isto. e pouca letra!
Um Dó Li Tá
Perguntam-me muitas vezes por que motivo nunca falo do governo nestas crónicas e a pergunta surpreende-me sempre. Qual governo? É que não existe governo nenhum. Existe um bando de meninos, a quem os pais vestiram casaco como para um baptizado ou um casamento. Claro que as crianças lhes acrescentaram um pin na lapela, porque é giro
- Eh pá embora usar um pin?
que representa a bandeira nacional como podia representar o Rato Mickey
- Embora pôr o Rato Mickey?
mas um deles lembrou-se do Senhor Scolari que convenceu os portugueses a encherem tudo de bandeiras, sugeriu
- Mete-se antes a bandeira como o Obama
e, por estarem a brincar às pessoas crescidas e as play-stations virem da América, resolveram-se pela bandeirinha e aí andam, todos contentes, que engraçado, a mandarem na gente
- Agora mandamos em vocês durante quatro anos, está bem?
depois de prometerem que, no fim dos quatro anos, comem a sopa toda e estudam um bocadinho em lugar de verem os Simpsons. No meio dos meninos há um tio idoso, manifestamente diminuído, que as famílias dos meninos pediram que levassem com eles, a fim de não passar o tempo a maçar as pessoas nos bancos, de modo que o tio idoso, também de pin
- Ponha que é curtido, tio
para ali anda a fazer patetices e a dizer asneiras acerca de Angola, que os meninos acham divertidas e os adultos, os tontos, idiotas. Que mal faz? Isto é tudo a fazer de conta.
Esta criançada é curiosa. Ensinaram-me que as pessoas não devem ser criticadas pelos nomes ou pelo aspecto físico mas os meninos exageram, e eu não sei se os nomes que usam são verdadeiros: existe um Aguiar Branco e um Poiares Maduro. Porque não juntar-lhes um Colares Tinto ou um Mateus Rosé? É que tenho a impressão de estar num jogo de índios e menos vinho não lhes fazia mal. No lugar deles arranjava outros pseudónimos: Touro Sentado, Nuvem Vermelha, Cavalo Louco. Também é giro, também é americano, pá, e, sinceramente, tanto álcool no jardim escola preocupa-me. A ASAE devia andar de olho na venda de espirituosas a menores. Outra coisa que me preocupa é a ignorância da língua portuguesa nos colégios. Desconhecem o significado de palavras como irrevogável. Irrevogável até compreendo, uma coisa torcida, e a gente conhece o amor dos pequerruchos pelos termos difíceis, coitadinhos, não têm culpa, mas quando, na Assembleia, um deles declarou
- Não pretendo esconder nem ocultar
apesar da palermice me enternecer alarmou-me um nadita, mau grado compreender que o termo sinónimo seja complicado para alminhas tão tenras. Espíritos tortuosos ou manifestamente mal formados insinuam, por pura maldade, que os garotos mentem muito, o que é injusto e cruel. Eles, por inevitável ingenuidade, não mentem nem faltam às promessas que fazem: temos de levar em conta a idade e o facto da estrutura mental não estar ainda formada, e entender que mudar constantemente de discurso, desdizer-se, aldrabar, não possui, na infância, um significado grave. A irrealidade faz parte dos cérebros em evolução e, com o tempo, hão-de tornar-se pessoas responsáveis: não podemos exigir-lhes que o sejam já, é necessário ser tolerante com os pequerruchos, afagá-los, perdoar-lhes. Merecem carinho, não crítica, uma festa na cabecinha do garoto que faz de primeiro-ministro, outra na menina que eles escolheram para as Finanças e por aí fora. Não é com dureza desnecessária e espírito exageradamente rígido que os educamos. No fundo limitam-se a obedecer a uns senhores estrangeiros, no fundo, tão amorosos, que mal fazem eles para além de empobrecerem a gente, tirarem-nos o emprego, estrangularem-nos, desrespeitarem-nos, trazerem-nos fominha, destruírem-nos? São miúdos queridos, cheios de boa vontade, qual o motivo de os não deixarmos estragar tudo à martelada? Somos demasiado severos com a infância, enervam-nos os impetuosos que correm no meio das mesas dos restaurantes, aos gritos, achamos que incomodam os clientes, a nossa impaciência é deslocada. Por trás deles há pessoas crescidas a orientarem-nos, a quem tentam agradar como podem à custa daqueles que não podem. Os portugueses, e é com mágoa que escrevo isto, têm sido injustos com a infância. Deixem-nos estragar, deixem-nos multiplicar argoladas, deixem-nos não falar verdade: faz parte da aprendizagem das mulheres e homens de amanhã. Sigam o exemplo do Senhor Presidente da República que paternalmente os protege, não do senhor Ex-Presidente da República, Mário Soares, que de forma tão violenta os ataca e, se vos sobrar algum dinheiro, carreguem-lhes os telemóveis para eles falarem uns com os outros acerca da melhor forma de nos deixarem de tanga. Qual o problema se há tanto sol neste País, mesmo que não esteja lá muito certo de o não haverem oferecido aos alemães? E, de pin no casaco que nos fanaram, isto é, de pin cravado na pele
(ao princípio dói um bocadinho, a seguir passa)
encorajemos estes minúsculos heróis com um beijinho, cheio de ternura, nas testazitas inocentes.
António Lobo Antunes
Perguntam-me muitas vezes por que motivo nunca falo do governo nestas crónicas e a pergunta surpreende-me sempre. Qual governo? É que não existe governo nenhum. Existe um bando de meninos, a quem os pais vestiram casaco como para um baptizado ou um casamento. Claro que as crianças lhes acrescentaram um pin na lapela, porque é giro
- Eh pá embora usar um pin?
que representa a bandeira nacional como podia representar o Rato Mickey
- Embora pôr o Rato Mickey?
mas um deles lembrou-se do Senhor Scolari que convenceu os portugueses a encherem tudo de bandeiras, sugeriu
- Mete-se antes a bandeira como o Obama
e, por estarem a brincar às pessoas crescidas e as play-stations virem da América, resolveram-se pela bandeirinha e aí andam, todos contentes, que engraçado, a mandarem na gente
- Agora mandamos em vocês durante quatro anos, está bem?
depois de prometerem que, no fim dos quatro anos, comem a sopa toda e estudam um bocadinho em lugar de verem os Simpsons. No meio dos meninos há um tio idoso, manifestamente diminuído, que as famílias dos meninos pediram que levassem com eles, a fim de não passar o tempo a maçar as pessoas nos bancos, de modo que o tio idoso, também de pin
- Ponha que é curtido, tio
para ali anda a fazer patetices e a dizer asneiras acerca de Angola, que os meninos acham divertidas e os adultos, os tontos, idiotas. Que mal faz? Isto é tudo a fazer de conta.
Esta criançada é curiosa. Ensinaram-me que as pessoas não devem ser criticadas pelos nomes ou pelo aspecto físico mas os meninos exageram, e eu não sei se os nomes que usam são verdadeiros: existe um Aguiar Branco e um Poiares Maduro. Porque não juntar-lhes um Colares Tinto ou um Mateus Rosé? É que tenho a impressão de estar num jogo de índios e menos vinho não lhes fazia mal. No lugar deles arranjava outros pseudónimos: Touro Sentado, Nuvem Vermelha, Cavalo Louco. Também é giro, também é americano, pá, e, sinceramente, tanto álcool no jardim escola preocupa-me. A ASAE devia andar de olho na venda de espirituosas a menores. Outra coisa que me preocupa é a ignorância da língua portuguesa nos colégios. Desconhecem o significado de palavras como irrevogável. Irrevogável até compreendo, uma coisa torcida, e a gente conhece o amor dos pequerruchos pelos termos difíceis, coitadinhos, não têm culpa, mas quando, na Assembleia, um deles declarou
- Não pretendo esconder nem ocultar
apesar da palermice me enternecer alarmou-me um nadita, mau grado compreender que o termo sinónimo seja complicado para alminhas tão tenras. Espíritos tortuosos ou manifestamente mal formados insinuam, por pura maldade, que os garotos mentem muito, o que é injusto e cruel. Eles, por inevitável ingenuidade, não mentem nem faltam às promessas que fazem: temos de levar em conta a idade e o facto da estrutura mental não estar ainda formada, e entender que mudar constantemente de discurso, desdizer-se, aldrabar, não possui, na infância, um significado grave. A irrealidade faz parte dos cérebros em evolução e, com o tempo, hão-de tornar-se pessoas responsáveis: não podemos exigir-lhes que o sejam já, é necessário ser tolerante com os pequerruchos, afagá-los, perdoar-lhes. Merecem carinho, não crítica, uma festa na cabecinha do garoto que faz de primeiro-ministro, outra na menina que eles escolheram para as Finanças e por aí fora. Não é com dureza desnecessária e espírito exageradamente rígido que os educamos. No fundo limitam-se a obedecer a uns senhores estrangeiros, no fundo, tão amorosos, que mal fazem eles para além de empobrecerem a gente, tirarem-nos o emprego, estrangularem-nos, desrespeitarem-nos, trazerem-nos fominha, destruírem-nos? São miúdos queridos, cheios de boa vontade, qual o motivo de os não deixarmos estragar tudo à martelada? Somos demasiado severos com a infância, enervam-nos os impetuosos que correm no meio das mesas dos restaurantes, aos gritos, achamos que incomodam os clientes, a nossa impaciência é deslocada. Por trás deles há pessoas crescidas a orientarem-nos, a quem tentam agradar como podem à custa daqueles que não podem. Os portugueses, e é com mágoa que escrevo isto, têm sido injustos com a infância. Deixem-nos estragar, deixem-nos multiplicar argoladas, deixem-nos não falar verdade: faz parte da aprendizagem das mulheres e homens de amanhã. Sigam o exemplo do Senhor Presidente da República que paternalmente os protege, não do senhor Ex-Presidente da República, Mário Soares, que de forma tão violenta os ataca e, se vos sobrar algum dinheiro, carreguem-lhes os telemóveis para eles falarem uns com os outros acerca da melhor forma de nos deixarem de tanga. Qual o problema se há tanto sol neste País, mesmo que não esteja lá muito certo de o não haverem oferecido aos alemães? E, de pin no casaco que nos fanaram, isto é, de pin cravado na pele
(ao princípio dói um bocadinho, a seguir passa)
encorajemos estes minúsculos heróis com um beijinho, cheio de ternura, nas testazitas inocentes.
António Lobo Antunes
terça-feira, 3 de dezembro de 2013
frases que tinham tudo para dar certo #2
«Se ele não provar bem, a sanção é drástica.»
Ainda propósito do regime do contrato de trabalho a termo e da necessidade de o empregador fazer a prova das respectiva motivação.
N.B. - fica confirmado para quem, como eu, tinha dúvidas, o interesse e profundidade de uma aula de pós-graduação.
Ainda propósito do regime do contrato de trabalho a termo e da necessidade de o empregador fazer a prova das respectiva motivação.
N.B. - fica confirmado para quem, como eu, tinha dúvidas, o interesse e profundidade de uma aula de pós-graduação.
frases que tinham tudo para dar certo #1
«O empregador pode querer fazer uma coisa a três.»
A propósito da substituição indirecta de um trabalhador no contrato de trabalho a termo.
A propósito da substituição indirecta de um trabalhador no contrato de trabalho a termo.
coisas simples
According to South Korean government estimates,
there are about 154,000 North Koreans
who live in prison camps. But in each part of the world,
some people create their own detention houses
inside their bodies. Our body is supposed to be a home;
a sanctuary of the living soul. Yet some find their bodies
disgusting and dark and fragile so they tucked them
away from the sun. I once knew a girl whose voice
never encountered an echo. Her mouth was a dungeon.
Her words were trapped and dying. Darling, I see you.
You are not a bird. You have a song. Do not caged yourself.
Even birds do not deserve this. You deserve to fly
and explore this earth and its endless skyline.
My dearest, your existence is not a mistake.
You are not a crime scene. Stop locking yourself up
and wishing you were dead. Death holds nothing
but silence and numbness. This world is an asylum in itself.
What you should put behind bars are your insecurities,
your doubts, your past. Handcuffed your depression
and throw away the keys. Remember your heart
is your stronghold. It never lies. Now start smashing
those walls around you and let freedom
and beauty consume you.
irishjulienne’s, "throw away the keys"
there are about 154,000 North Koreans
who live in prison camps. But in each part of the world,
some people create their own detention houses
inside their bodies. Our body is supposed to be a home;
a sanctuary of the living soul. Yet some find their bodies
disgusting and dark and fragile so they tucked them
away from the sun. I once knew a girl whose voice
never encountered an echo. Her mouth was a dungeon.
Her words were trapped and dying. Darling, I see you.
You are not a bird. You have a song. Do not caged yourself.
Even birds do not deserve this. You deserve to fly
and explore this earth and its endless skyline.
My dearest, your existence is not a mistake.
You are not a crime scene. Stop locking yourself up
and wishing you were dead. Death holds nothing
but silence and numbness. This world is an asylum in itself.
What you should put behind bars are your insecurities,
your doubts, your past. Handcuffed your depression
and throw away the keys. Remember your heart
is your stronghold. It never lies. Now start smashing
those walls around you and let freedom
and beauty consume you.
irishjulienne’s, "throw away the keys"
segunda-feira, 2 de dezembro de 2013
coisas simples
«Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido.»
Fernando Pessoa
Fernando Pessoa
sexta-feira, 29 de novembro de 2013
geografia
«I like geography best, he said, because your mountains & rivers know the secret. Pay no attention to boundaries.»
Brian Andreas, "Story People: Selected Stories & Drawings of Brian Andreas"
Brian Andreas, "Story People: Selected Stories & Drawings of Brian Andreas"
amor & coisas simples
I know
you and I
are not about poems or
other sentimental bullshit
but I have to tell you
even the way
you drink your coffee
knocks me the fuck out.
Clementine von Radics
you and I
are not about poems or
other sentimental bullshit
but I have to tell you
even the way
you drink your coffee
knocks me the fuck out.
Clementine von Radics
coisas simples
Reiner: Are you really that cold?
Malkina: The truth has no temperature.
The Counselor, Ridley Scott
Malkina: The truth has no temperature.
The Counselor, Ridley Scott
quinta-feira, 28 de novembro de 2013
quarta-feira, 27 de novembro de 2013
terça-feira, 26 de novembro de 2013
projectos
may my heart always be open to little
birds who are the secrets of living
whatever they sing is better than to know
and if men should not hear them men are old
may my mind stroll about hungry
and fearless and thirsty and supple
for even if it's sunday may i be wrong
for whenever men are right they are not young
and may myself do nothing usefully
and love yourself so more than truly
there's never been quite such a fool who could fail
pulling all the sky over him with one smile
53, E.E. Cummings
birds who are the secrets of living
whatever they sing is better than to know
and if men should not hear them men are old
may my mind stroll about hungry
and fearless and thirsty and supple
for even if it's sunday may i be wrong
for whenever men are right they are not young
and may myself do nothing usefully
and love yourself so more than truly
there's never been quite such a fool who could fail
pulling all the sky over him with one smile
53, E.E. Cummings
segunda-feira, 25 de novembro de 2013
coisas simples
- Where do you want to go?
- Wherever you want to take me.
Chungking Express, Wong Kar Wai
- Wherever you want to take me.
Chungking Express, Wong Kar Wai
notícias tristes
Cinema King fecha as portas
N.B. - grande Jô, proponho que façamos a missa do sétimo dia num jantar no Matos, seguido da leitura de umas breves palavras do Mourinha junto à entrada deste espaço sagrado do pseudismo.
N.B. - grande Jô, proponho que façamos a missa do sétimo dia num jantar no Matos, seguido da leitura de umas breves palavras do Mourinha junto à entrada deste espaço sagrado do pseudismo.
sexta-feira, 22 de novembro de 2013
rebeldes
Quando uma obra de Banksy aparece num qualquer leilão de arte pode valer vários milhares de euros. Mas quando é o próprio artista que decide pôr à venda os seus trabalhos, numa manobra irrepetível, têm o preço único de 60 dólares (pouco mais de 44 euros). Foi o que aconteceu este sábado em Nova Iorque. Não houve aviso, passou despercebido a alguns e ao final do dia ainda muitas telas estavam por vender. Mais depressa a maioria das pessoas pensou que na banca montada nos arredores do Central Park estavam falsificações do que originais do icónico artista britânico.
Banksy não apoia o mercado da arte. Quem há muito tempo segue o artista sabe que quando uma ou outra obra do britânico aparece em leilão é porque esta foi “retirada” de alguma parede, sem a autorização do artista, que por várias vezes já se manifestou contra a venda dos seus trabalhos. No seu site, por exemplo, existe um separador para a loja online, onde na verdade, não há nada à venda – Banksy disponibiliza os seus próprios desenhos para impressão. É uma espécie de "faça você mesmo". Quer uma caneca, uma t-shirt ou um saco com um trabalho de Banksy? Imprima e mande fazer em qualquer lado. Neste momento este separador só não está disponível porque o site de Banksy está dedicado à sua residência em Nova Iorque.
Foi aliás, no âmbito desta iniciativa, intitulada Better Out Than In, na qual Banksy todos os dias, durante o mês de Outubro, revela um novo trabalho nas ruas de Nova Iorque, que o artista instalou uma banca de venda nos arredores do Central Park. No site, transformado em diário desta residência, Banksy divulgou este domingo um vídeo, a contar a acção.
“Ontem montei uma banca no jardim para vender telas 100% originais assinadas por Banksy. Cada uma por 60 dólares”, lê-se no site do artista natural de Bristol, Inglaterra, cuja identidade ninguém conhece. E para aqueles que ainda pensaram que por estes dias encontrariam a banca, o artista deixa ainda uma mensagem: “A banca já não vai estar lá hoje”.
No vídeo, registado por uma câmara oculta, vê-se que a primeira venda acontece apenas da parte da tarde. Ou seja, de manhã a banca passou despercebida ou pelo menos ninguém lhe deu valor. E mesmo quem comprou, não teria a certeza do que estava a comprar. Assim se nota na primeira venda do dia que acontece às 15h30 quando uma senhora decide comprar duas telas para oferecer aos seus filhos. E isto, só depois de ter negociado um desconto de 50%.
Meia hora depois, uma senhora da Nova Zelândia, como é identificada no vídeo, compra duas obras. Mais de uma hora depois, volta a acontecer uma nova compra. Quando um homem de Chicago compra quatro telas para “decorar a sua nova casa”.
Às 18h00, a banca fecha e as telas são arrumadas. O saldo da venda foi de 420 dólares (aproximadamente 310 euros), um valor que contrasta com o stencil de uma criança que costura bandeiras do Reino Unido e que em Junho foi vendido em leilão por um milhão de euros.
Aqui
lambarices
Caderno Inglês
«Tinha comprado este caderno em Londres, se bem me lembro, há uma catrefada de anos, e disse que só ia escrever nestas páginas numa ocasião especial (eis o tipo de idiota que eu sou). O caderno estava arrumado, ou antes, escondido, a recato de eventuais e temidas «ocasiões especiais». E agora está em cima da mesa, ainda por abrir, ele à minha espera e eu à espera não sei de quê, um objecto mitificado e um sujeito que gosta de adiamentos e de fantasias.»
Mestre
«Tinha comprado este caderno em Londres, se bem me lembro, há uma catrefada de anos, e disse que só ia escrever nestas páginas numa ocasião especial (eis o tipo de idiota que eu sou). O caderno estava arrumado, ou antes, escondido, a recato de eventuais e temidas «ocasiões especiais». E agora está em cima da mesa, ainda por abrir, ele à minha espera e eu à espera não sei de quê, um objecto mitificado e um sujeito que gosta de adiamentos e de fantasias.»
Mestre
quinta-feira, 21 de novembro de 2013
coisas simples
Angelina Jolie receives the Jean Hersholt Humanitarian Award at the 2013 Governors Awards
amor & coisas simples
«To have her here in bed with me, breathing on me, her hair in my mouth — I count that something of a miracle.»
Henry Miller, Tropic of Cancer
Henry Miller, Tropic of Cancer
quarta-feira, 20 de novembro de 2013
obrigado
O Temos de Sofrer agradece à Selecção Nacional os melhores momentos da sua existência. Sempre a considerar, o Vosso Estóico.
terça-feira, 19 de novembro de 2013
coragem
«Be soft. Do not let the world make you hard. Do not let pain make you hate. Do not let the bitterness steal your sweetness. Take pride that even though the rest of the world may disagree, you still believe it to be a beautiful place.»
Kurt Vonnegut
Kurt Vonnegut
segunda-feira, 18 de novembro de 2013
sugestões de prendas de Natal #1
Sophia de Mello Breyner por Fernando Lemos
Mais informações na Perve Galeria.
N.B. - pormenores: o p.v.p. anunciado é de € 4.500, mas a Senhora da Galeria disse, de forma simpática, que fariam um desconto.
lambarices #2
A propósito do post anterior, já agora e como quem quer a coisa, a música que é bem catita:
Patrick Lee - Quittin' Time
Patrick Lee - Quittin' Time
sexta-feira, 15 de novembro de 2013
lambarices
Tenho para mim que um bom artista, seja qual for o seu ofício, é aquele que nos faz pensar. Se, mais do que isso, nos fizer, de alguma forma, duvidar, seja do que for, tanto melhor.
Ontem houve um, de seu nome Scott Matthew (não confundir com o Scott Matthews, como fez o Senhor porteiro do CCB, que, claro, prontamente corrigi; em todo o caso, recomendo, ainda que não vivamente, a audição deste último, o qual, num registo ligeiramente diferente, tem também umas músicas catitas), que fez tudo isso mas foi ainda mais longe e a um nível que, até àquela última música, achei absolutamente impensável (não, não se tratava de mudar de sexo, não foi assim tão longe, calma): fez com que este pequeno (e giro!) estóico cogitasse preferir uma versão diferente de um original daquela que é a melhor banda de todos os tempos e que, como logo perceberam, são os Joy Division.
Scott Matthew - Love Will Tear Us Apart
Como é evidente e só para que não resultem dúvidas nesta questão absolutamente fulcral para o futuro da humanidade (como, aliás, todas aquelas que são tratadas neste singelo espaço cibernético), continuo a preferir o original, tendo tão-somente alvitrado a possibilidade de o preterir, o que, só por si, é digno de registo:
Joy Division - Love Will Tear Us Apart
Ontem houve um, de seu nome Scott Matthew (não confundir com o Scott Matthews, como fez o Senhor porteiro do CCB, que, claro, prontamente corrigi; em todo o caso, recomendo, ainda que não vivamente, a audição deste último, o qual, num registo ligeiramente diferente, tem também umas músicas catitas), que fez tudo isso mas foi ainda mais longe e a um nível que, até àquela última música, achei absolutamente impensável (não, não se tratava de mudar de sexo, não foi assim tão longe, calma): fez com que este pequeno (e giro!) estóico cogitasse preferir uma versão diferente de um original daquela que é a melhor banda de todos os tempos e que, como logo perceberam, são os Joy Division.
Scott Matthew - Love Will Tear Us Apart
Como é evidente e só para que não resultem dúvidas nesta questão absolutamente fulcral para o futuro da humanidade (como, aliás, todas aquelas que são tratadas neste singelo espaço cibernético), continuo a preferir o original, tendo tão-somente alvitrado a possibilidade de o preterir, o que, só por si, é digno de registo:
Joy Division - Love Will Tear Us Apart
pelo passado
Ex-Libris
Trintões e quarentões meus amigos fazem pouco de mim quando vou a concertos de bandas cujos trabalhos relevantes foram gravados há duas ou três décadas. E gostam de lembrar: «O último disco deles é tão fraquinho». Eu respondo quase sempre que «vim pelo passado» ou «venho pelo passado». Se, hipótese improvável, algum erudito frequentar o Malparado, explique-me como é que isto se diz em Latim, que eu faço de uma destas frases o meu ex-libris.
[Adenda: uma leitora erudita sugere Venio praeteriti gratia; obrigado. Vou já mandar fazer os carimbos.]
Mestre
Trintões e quarentões meus amigos fazem pouco de mim quando vou a concertos de bandas cujos trabalhos relevantes foram gravados há duas ou três décadas. E gostam de lembrar: «O último disco deles é tão fraquinho». Eu respondo quase sempre que «vim pelo passado» ou «venho pelo passado». Se, hipótese improvável, algum erudito frequentar o Malparado, explique-me como é que isto se diz em Latim, que eu faço de uma destas frases o meu ex-libris.
[Adenda: uma leitora erudita sugere Venio praeteriti gratia; obrigado. Vou já mandar fazer os carimbos.]
Mestre
quarta-feira, 13 de novembro de 2013
a propósito de um amargo de boca
Even though
We didn’t kiss goodbye
I love you
Elysian Fields - When
terça-feira, 12 de novembro de 2013
para mais tarde recordar
Ontem tive o privilégio de estar na mesma sala em que um membro do clã Coppola se encontrava (o Roman, no caso, enquanto apresentava o novo filme, "A Glimpse Inside the Mind of Charles Swan III", que recomendo vivamente). Mais do que isso tive a sorte de o poder ouvir contar o dia em que a cena da cabeça de cavalo do "The Godfather" foi filmada. E tudo sem contar o que só comprova que às vezes (e só às vezes!) não temos de sofrer assim tanto.
A banda sonora, a cargo do Liam Hayes, também é muito mas muito boa.
Liam Hayes & Plush - White Telescope
A banda sonora, a cargo do Liam Hayes, também é muito mas muito boa.
Liam Hayes & Plush - White Telescope
always and forever
«And here's a man still working for your smile.»
Leonard Cohen in "I Tried to Leave You"
N.B. #1 - segundo o Mestre, esta é a "puta da rima mais bonita de sempre" (sic).
N.B. #2 - especial agradecimento ao grande Jô pela partilha.
Leonard Cohen in "I Tried to Leave You"
N.B. #1 - segundo o Mestre, esta é a "puta da rima mais bonita de sempre" (sic).
N.B. #2 - especial agradecimento ao grande Jô pela partilha.
segunda-feira, 11 de novembro de 2013
lambarices tristes
The first time I saw her...
Everything in my head went quiet.
All the tics, all the constantly refreshing images just disappeared.
When you have Obsessive Compulsive Disorder, you don’t really get quiet moments.
Even in bed, I’m thinking:
Did I lock the doors? Yes.
Did I wash my hands? Yes.
Did I lock the doors? Yes.
Did I wash my hands? Yes.
But when I saw her, the only thing I could think about was the hairpin curve of her lips..
Or the eyelash on her cheek—
the eyelash on her cheek—
the eyelash on her cheek.
I knew I had to talk to her.
I asked her out six times in thirty seconds.
She said yes after the third one, but none of them felt right, so I had to keep going.
On our first date, I spent more time organizing my meal by color than I did eating it, or fucking talking to her...
But she loved it.
She loved that I had to kiss her goodbye sixteen times or twenty-four times or if it was Wednesday.
She loved that it took me forever to walk home because there are lots of cracks on our sidewalk.
When we moved in together, she said she felt safe, like no one would ever rob us because I definitely locked the door eighteen times.
I’d always watch her mouth when she talked—
when she talked—
when she talked—
when she talked
when she talked;
when she said she loved me, her mouth would curl up at the edges.
At night, she’d lay in bed and watch me turn all the lights off.. And on, and off, and on, and off, and on, and off, and on, and off, and on, and off, and on, and off, and on, and off, and on, and off, and on, and off, and on, and off, and on, and off.
She’d close her eyes and imagine that the days and nights were passing in front of her.
Some mornings I’d start kissing her goodbye but she’d just leave cause I was
just making her late for work...
When I stopped in front of a crack in the sidewalk, she just kept walking...
When she said she loved me her mouth was a straight line.
She told me that I was taking up too much of her time.
Last week she started sleeping at her mother’s place.
She told me that she shouldn’t have let me get so attached to her; that this whole thing was a mistake, but...
How can it be a mistake that I don’t have to wash my hands after I touched her?
Love is not a mistake, and it’s killing me that she can run away from this and I just can’t.
I can’t – I can’t go out and find someone new because I always think of her.
Usually, when I obsess over things, I see germs sneaking into my skin.
I see myself crushed by an endless succession of cars...
And she was the first beautiful thing I ever got stuck on.
I want to wake up every morning thinking about the way she holds her steering wheel..
How she turns shower knobs like she's opening a safe.
How she blows out candles—
blows out candles—
blows out candles—
blows out candles—
blows out candles—
blows out…
Now, I just think about who else is kissing her.
I can’t breathe because he only kisses her once — he doesn’t care if it’s perfect!
I want her back so bad...
I leave the door unlocked.
I leave the lights on.
Neil Hilborn, OCD, Rustbelt, 2013
quinta-feira, 7 de novembro de 2013
check!
«Se estiver tudo errado, comece novamente. Se estiver tudo certo continue. Se sentir saudades, mate-a. Se perder um amor, não se perca. Mas, se o achar, segure-o.»
Fernando Pessoa
Fernando Pessoa
"Vidro Azul" *
Idaho - Levitate pt. 2
* Que é "só" melhor programa da radiofonia portuguesa. Obrigado Ricardo Mariano.
lambarices
«Há uma cena, ou antes, um motivo, recorrente em certos filmes «sociológicos» ou «pedagógicos: o do toque estridente da campainha que interrompe o discurso do professor, que estaria a dizer coisas importantes, úteis, ou tímidas, ou confessionais, ou poéticas, ou confusas, tanto faz. Pouco importa a perspectiva que o cineasta e o argumentista têm sobre «a escola» ou «o conflito de gerações»: fica sempre aquele desconforto de uma frase a meio, interrompida com estridência esperada ou inesperada, e que deixa uma ideia em suspenso, uma emoção em suspenso, até à aula seguinte talvez, mas provavelmente até nunca mais, porque não se retoma exactamente do ponto de onde se ficou. E há um grande alarido de mesas, cadeiras, mochilas, dichotes. O que me impressiona nessas cenas não é a visão sobre os bons ou maus modos docentes e discentes, mas aquele momento de interrupção brutal, mesmo que normal, previsível: uma interrupção imediata, que nem dá tempo a que se acabe uma frase. É uma tragédia mínima, o pequeno colapso de um indivíduo impotente perante o seu próprio desinteresse. Mas, de certo modo, não é tragédia nenhuma. As aulas têm uma duração. Há um toque que diz quando acabam. E as pessoas vão-se embora. É assim, com ou sem campainhas, em todos os acontecimentos, em todas as vidas, em todas as ilusões. Uma coisa acontece, ou parece estar a acontecer. E quando toca, acaba.»
Mestre, com um especial agradecimento ao grande Jô.
Mestre, com um especial agradecimento ao grande Jô.
terça-feira, 5 de novembro de 2013
frases que tinham tudo para dar certo
"Há o trabalho de a meter mas depois tudo fica facilitado."
Numa reunião, a propósito de uma parametrização informática.
Numa reunião, a propósito de uma parametrização informática.
amor & coisas simples
"Olha para isto! Tirei 45 fotocópias por tua causa!"
A Mais-que-Tudo e uma fotocopiadora nova.
A Mais-que-Tudo e uma fotocopiadora nova.
segunda-feira, 4 de novembro de 2013
coisas simples
Dedução
Não acabarão nunca com o amor,
nem as rusgas,
nem a distância.
Está provado,
pensado,
verificado.
Aqui levanto solene
minha estrofe de mil dedos
e faço o juramento:
Amo
firme,
fiel
e verdadeiramente.
Vladimir Maiakóvski
Não acabarão nunca com o amor,
nem as rusgas,
nem a distância.
Está provado,
pensado,
verificado.
Aqui levanto solene
minha estrofe de mil dedos
e faço o juramento:
Amo
firme,
fiel
e verdadeiramente.
Vladimir Maiakóvski
sexta-feira, 1 de novembro de 2013
os "lisboetas"
«Quando andava a estudar aquela geringonça que estudei durante um quinquénio, achava graça à existência de alguns termos que conhecia apenas enquanto expressões comuns mas que na verdade também são conceitos jurídicos. Um deles é o de «reserva mental»: quando, num contrato, um dos contraentes está decidido, in pectore, a não cumprir aquilo a que se compromete. Uma simulação mental, aparentada à mentira, mas mais «sofisticada», talvez, e portanto mais detestável. Com o tempo fui aprendendo que não se trata de uma expressão qualquer ou de um conceito banal: a reserva mental é um dos fundamentos da civilização, pelo menos da civilização que conheço bem, que é Lisboa. Por isso, a indesmentível ausência de reserva mental em alguém que conheço mal parece-me sempre estranha, improvável, fantástica. É o começo de uma bela amizade.»
Mestre
Mestre
coisas simples
Newsnight's Jeremy Paxman talks to Russell Brand about voting, revolution and beards, as he launches his guest edit for the New Statesman.
N.B. - especial agradecimento ao grande Johnny Eliaz.
quinta-feira, 31 de outubro de 2013
amor & coisas simples
«It’s that thing when you’re with someone and you love them and they know it, and they love you and you know it, but it’s a party! And you’re both talking to other people and you’re laughing and shining and you look across the room and catch each other’s eyes. But… but not because you’re possessive or it’s precisely sexual but because that is your person in this life. And it’s funny and sad but only because this life will end. And it’s this secret world that exists right there in public unnoticed that no one knows about. It’s sort of like how they say that other dimensions exist all around us, but we don’t have the ability to perceive them. That’s… that’s what I want out of a relationship or just life, I guess.»
Frances Ha, escrito por Noah Baumbach e Greta Gerwig.
Frances Ha, escrito por Noah Baumbach e Greta Gerwig.
greves
"Quando os nazis levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista. Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata. Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista. Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse."
Adaptação de Martin Niemöller de um célebre poema de Vladimir Maiakovski ("E Não Sobrou Ninguém"), a propósito do nazismo na Alemanha.
Adaptação de Martin Niemöller de um célebre poema de Vladimir Maiakovski ("E Não Sobrou Ninguém"), a propósito do nazismo na Alemanha.
quarta-feira, 30 de outubro de 2013
coisas (literalmente) simples
You won’t allow me to go to school.
I won’t become a doctor.
Remember this:
One day you will be sick.
Poema escrito por uma menina afegã de 11 anos.
N.B. - This poem was recorded in a NYT magazine article about female underground poetry groups in Afghanistan. An amazing article about the ways in which women are using a traditional two line poetry form to express their resistance to male oppression, their feelings about love (considered blasphemous), and their doubts about religion.)
I won’t become a doctor.
Remember this:
One day you will be sick.
Poema escrito por uma menina afegã de 11 anos.
N.B. - This poem was recorded in a NYT magazine article about female underground poetry groups in Afghanistan. An amazing article about the ways in which women are using a traditional two line poetry form to express their resistance to male oppression, their feelings about love (considered blasphemous), and their doubts about religion.)
terça-feira, 29 de outubro de 2013
frases que tinham tudo para dar certo
«Disse ele: "fujam todos que a racha vai abrir".»
A propósito de uma rachadela no tecto.
A propósito de uma rachadela no tecto.
é só esperar
«Toda a vida os conheci, aos impiedosos, e testemunhei o seu desprezo pelos que têm menos capital genético ou social: os feios, os pobres, os boçais. Às vezes reencontro-os, aos impiedosos, e muitos deles agora estão desfigurados pelo tempo, têm os bens penhorados por dívidas, foram preteridos por gente mais sofisticada. E pedem piedade.»
Mestre, aqui
Mestre, aqui
segunda-feira, 28 de outubro de 2013
check!
«Fall in love with someone who’s comfortable with your silence. Find someone who doesn’t need your words to know it’s time to kiss you.»
Clairabelle Ann
Clairabelle Ann
quarta-feira, 23 de outubro de 2013
soberanias
«A saudação dos gladiadores na arena é fácil de compreender: «Os que vão morrer [talvez dentro de instantes] saúdam-te» (ao Imperador, seu soberano). Mas interessa-me uma outra saudação, menos bélica e hierárquica: eu, que um dia vou morrer, como vamos todos, saúdo-te porque reconheço em ti uma soberania que não é um poder, mas uma graça.»
Mestre, aqui
Mestre, aqui
terça-feira, 22 de outubro de 2013
frases que não têm nada para dar certo
Nova rubrica no Temos de Sofrer: frases estúpidas de resposta rápida. Aqueles clássicos que resultam de cruzamentos no corredor do local de trabalho ou nas escadas do prédio ou nos elevadores.
Para estrear, uma pérola aqui de um colega de labuta: "Isso vai continuar a bloquear às vezes sempre".
Para estrear, uma pérola aqui de um colega de labuta: "Isso vai continuar a bloquear às vezes sempre".
amor & coisas simples
«The most ideal
kind of love will be
a love that allows me
to tell the story of us.»
autor desconhecido (mas esperto)
kind of love will be
a love that allows me
to tell the story of us.»
autor desconhecido (mas esperto)
segunda-feira, 21 de outubro de 2013
sorrisos & coisas simples
Creio que foi o sorriso,
o sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia entrar nele,
tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso
Eugénio de Andrade
o sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia entrar nele,
tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso
Eugénio de Andrade
sexta-feira, 18 de outubro de 2013
amor & coisas simples
E ao anoitecer
e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia
al berto
e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia
al berto
quinta-feira, 17 de outubro de 2013
amor & coisas simples
Deve haver um lugar onde um braço
E outro braço sejam mais que dois braços
Um ardor de folhas mordidas pela chuva,
A manhã perto nem que seja de rastos.
Eugénio de Andrade, in O Peso da Sombra
E outro braço sejam mais que dois braços
Um ardor de folhas mordidas pela chuva,
A manhã perto nem que seja de rastos.
Eugénio de Andrade, in O Peso da Sombra
quarta-feira, 16 de outubro de 2013
terça-feira, 15 de outubro de 2013
amor & coisas (literalmente) simples
Interviewer: Why can’t you be alone without Yoko?
John Lennon: But I can be alone without Yoko, but I just have no wish to be. There’s no reason on earth why I should be alone without Yoko. There’s nothing more important than our relationship, nothing. And we dig being together all the time. Both of us could survive apart but what for? I’m not going to sacrifice love, real love for any whore or any friend or any business, because in the end you’re alone at night and neither of us want to be. And you can’t fill a bed with groupies. It doesn’t work. I don’t want to be a swinger. I’ve been through it all and nothing works better than to have someone you love hold you.
John Lennon: But I can be alone without Yoko, but I just have no wish to be. There’s no reason on earth why I should be alone without Yoko. There’s nothing more important than our relationship, nothing. And we dig being together all the time. Both of us could survive apart but what for? I’m not going to sacrifice love, real love for any whore or any friend or any business, because in the end you’re alone at night and neither of us want to be. And you can’t fill a bed with groupies. It doesn’t work. I don’t want to be a swinger. I’ve been through it all and nothing works better than to have someone you love hold you.
amor & coisas simples
O meu amor não cabe num poema
O meu amor não cabe num poema ― há coisas assim,
que não se rendem à geometria deste mundo;
são como corpos desencontrados da sua arquitectura
os quartos que os gestos não preenchem.
O meu amor é maior que as palavras; e daí inútil
a agitação dos dedos na intimidade do texto ―
a página não ilustra o zelo do farol que agasalha as baías
nem a candura a mão que protege a chama que estremece.
O meu amor não se deixa dizer ― é um formigueiro
que acode aos lábios com a urgência de um beijo
ou a matéria efervescente os segredos; a combustão
laboriosa que evoca, à flor da pele, vestígios
de uma explosão exemplar: a cratera que um corpo,
ao levantar-se, deixa para sempre na vizinhança de outro corpo.
O meu amor anda por dentro do silêncio a formular loucuras
com a nudez do teu nome ― é um fantasma que estrebucha
no dédalo das veias e sangra quando o encerram em metáforas.
Um verso que o vestisse definharia sob a roupa
como o esqueleto de uma palavra morta. nenhum poema
podia ser o chão a sua casa.
Maria do Rosário Pedreira
O meu amor não cabe num poema ― há coisas assim,
que não se rendem à geometria deste mundo;
são como corpos desencontrados da sua arquitectura
os quartos que os gestos não preenchem.
O meu amor é maior que as palavras; e daí inútil
a agitação dos dedos na intimidade do texto ―
a página não ilustra o zelo do farol que agasalha as baías
nem a candura a mão que protege a chama que estremece.
O meu amor não se deixa dizer ― é um formigueiro
que acode aos lábios com a urgência de um beijo
ou a matéria efervescente os segredos; a combustão
laboriosa que evoca, à flor da pele, vestígios
de uma explosão exemplar: a cratera que um corpo,
ao levantar-se, deixa para sempre na vizinhança de outro corpo.
O meu amor anda por dentro do silêncio a formular loucuras
com a nudez do teu nome ― é um fantasma que estrebucha
no dédalo das veias e sangra quando o encerram em metáforas.
Um verso que o vestisse definharia sob a roupa
como o esqueleto de uma palavra morta. nenhum poema
podia ser o chão a sua casa.
Maria do Rosário Pedreira
segunda-feira, 14 de outubro de 2013
lambarices
»Dear Miley. I can’t stop listening to #GetItRight (great song, great message, great body), but maybe you need a quick grammar lesson. One particular line causes concern: “I been laying in this bed all night long.” Miley, technically speaking, you’ve been LYING, not LAYING, an irregular verb form that should only be used when there’s an object, i.e. “I been laying my tired booty on this bed all night long.” Whatever. I’m not the best lyricist, but you know what I mean. #Get It Right The Next Time. But don’t worry, even Faulkner messed it up. We all make mistakes, and surely this isn’t your worst misdemeanor. But also, Miley, did you know the tense here is also totally wrong. Surely you’ve heard of Present Perfect Continuous Tense (I HAVE BEEN LYING in this bed all night long [hopefully getting some beauty sleep?]). It’s a weird, equivocal, almost purgatorial tense, not quite present, not quite past, not quite here, not quite there. Somewhere in between. I feel that way all the time. It kind of sucks. But I have a feeling your “present perfect continuous” involves a lot more excitement than mine. Anyway, doesn’t that also sum up your career right now? Present. Perfect. Continuous. And Tense. Intense? Girl, you work it like Mike Tyson. Miley, I love you because you’re the Queen, grammatically and anatomically speaking. And you’re the hottest cake in the pan. Don’t ever grow old. Live brightly before your fire fades into total darkness. XXOO Sufjan»
Sufjan Stevens
Sufjan Stevens
amor & coisas (literalmente) simples
«When my husband was dying, I said: ‘Moe, how am I supposed to live without you?' He told me: ‘Take the love you have for me and spread it around.’»
Aqui
Aqui
sexta-feira, 11 de outubro de 2013
«O Zé Francisco partiu»
"Olá Paulo Moura,
O Zé Francisco partiu. Faleceu ontem no Hospital de S. João. Quando a grande reportagem do jornal PÚBLICO foi editada, já se encontrava internado.
Mesmo sendo severamente pobre e castigado por estas políticas sociais, o Zé sonhava ver o Ivo crescer, a Sara sorrir com dentes novos e passar já o próximo Natal numa casa digna e decente cedida pela Câmara Municipal do Porto.
Soube hoje desta triste notícia pela boca do seu filho, que me procurou com a avó no posto de atendimento do Bairro do Lagarteiro para me dizer “Ó dr. Pinto, o meu pai já saiu do hospital, mas agora não podes falar mais com ele. Foi para o Céu. Quando eu for grande e se me portar bem, ele volta.”
Peguei neste menino de óculos novos e fomos passear de carro. Ouvir música, lanchar, desenhar, jogar computador. Devolvi-o à mãe de olhos encharcados às 19h30. Já era noite, tudo estava escuro e triste naquele portão da ilha.
O Zé era muito novo. Merecia ter vida e vida em abundância. O sistema esmagou-o, não lhe deu oportunidades nem recursos, não permitiu que ele realizasse os seus sonhos, não lhe proporcionou as mínimas condições dignas de sobrevivência, não foi justo com as suas reivindicações.
O Zé chorou no hospital quando percebeu que estava a chegar ao fim, semanas antes tinha-se revoltado no Gabinete do Inquilino Municipal quando a técnica gestora do seu pedido de casa o informou que a chave do novo tecto ainda estava demorada. Nesse dia chorou de raiva.
A sua dignidade e os seus direitos foram ao longo destes anos sendo enterrados, hoje o seu corpo também foi para debaixo da terra.
Aquele abraço fraterno,
José António Pinto (Chalana)"
Aqui.
O Zé Francisco partiu. Faleceu ontem no Hospital de S. João. Quando a grande reportagem do jornal PÚBLICO foi editada, já se encontrava internado.
Mesmo sendo severamente pobre e castigado por estas políticas sociais, o Zé sonhava ver o Ivo crescer, a Sara sorrir com dentes novos e passar já o próximo Natal numa casa digna e decente cedida pela Câmara Municipal do Porto.
Soube hoje desta triste notícia pela boca do seu filho, que me procurou com a avó no posto de atendimento do Bairro do Lagarteiro para me dizer “Ó dr. Pinto, o meu pai já saiu do hospital, mas agora não podes falar mais com ele. Foi para o Céu. Quando eu for grande e se me portar bem, ele volta.”
Peguei neste menino de óculos novos e fomos passear de carro. Ouvir música, lanchar, desenhar, jogar computador. Devolvi-o à mãe de olhos encharcados às 19h30. Já era noite, tudo estava escuro e triste naquele portão da ilha.
O Zé era muito novo. Merecia ter vida e vida em abundância. O sistema esmagou-o, não lhe deu oportunidades nem recursos, não permitiu que ele realizasse os seus sonhos, não lhe proporcionou as mínimas condições dignas de sobrevivência, não foi justo com as suas reivindicações.
O Zé chorou no hospital quando percebeu que estava a chegar ao fim, semanas antes tinha-se revoltado no Gabinete do Inquilino Municipal quando a técnica gestora do seu pedido de casa o informou que a chave do novo tecto ainda estava demorada. Nesse dia chorou de raiva.
A sua dignidade e os seus direitos foram ao longo destes anos sendo enterrados, hoje o seu corpo também foi para debaixo da terra.
Aquele abraço fraterno,
José António Pinto (Chalana)"
Aqui.
quinta-feira, 10 de outubro de 2013
quarta-feira, 9 de outubro de 2013
amor & coisas simples
O Amor em Visita
Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.
Cantar? Longamente cantar,
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas,
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes
ele - imagem inacessível e casta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.
Ah! em cada mulher existe uma morte silenciosa;
e enquanto o dorso imagina, sob nossos dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
- Ó cabra no vento e na urze, mulher nua sob
as mãos, mulher de ventre escarlate onde o sal põe o espírito,
mulher de pés no branco, transportadora
da morte e da alegria.
Dai-me uma mulher tão nova como a resina
e o cheiro da terra.
Com uma flecha em meu flanco, cantarei.
E enquanto manar de minha carne uma videira de sangue,
cantarei seu sorriso ardendo,
suas mamas de pura substância,
a curva quente dos cabelos.
Beberei sua boca, para depois cantar a morte
e a alegria da morte.
Dai-me um torso dobrado pela música, um ligeiro
pescoço de planta,
onde uma chama comece a florir o espírito.
À tona da sua face se moverão as águas,
dentro da sua face estará a pedra da noite.
- Então cantarei a exaltante alegria da morte.
Nem sempre me incendeiam o acordar das ervas e a estrela
despenhada de sua órbita viva.
- Porém, tu sempre me incendeias.
Esqueço o arbusto impregnado de silêncio diurno, a noite
imagem pungente
com seu deus esmagado e ascendido.
- Porém, não te esquecem meus corações de sal e de brandura.
Entontece meu hálito com a sombra,
tua boca penetra a minha voz como a espada
se perde no arco.
E quando gela a mãe em sua distância amarga, a lua
estiola, a paisagem regressa ao ventre, o tempo
se desfibra - invento para ti a música, a loucura
e o mar.
Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso,
a inspiração.
E eu sei que cercaste os pensamentos com mesa e harpa.
Vou para ti com a beleza oculta,
o corpo iluminado pelas luzes longas.
Digo: eu sou a beleza, seu rosto e seu durar. Teus olhos
transfiguram-se, tuas mãos descobrem
a sombra da minha face. Agarro tua cabeça
áspera e luminosa, e digo: ouves, meu amor?, eu sou
aquilo que se espera para as coisas, para o tempo -
eu sou a beleza.
Inteira, tua vida o deseja. Para mim se erguem
teus olhos de longe. Tu própria me duras em minha velada beleza.
Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti
que me vem o fogo.
Não há gesto ou verdade onde não dormissem
tua noite e loucura,
não há vindima ou água
em que não estivesses pousando o silêncio criador.
Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos
originais.
Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra
a carne transcendente. E em ti
principiam o mar e o mundo.
Minha memória perde em sua espuma
o sinal e a vinha.
Plantas, bichos, águas cresceram como religião
sobre a vida - e eu nisso demorei
meu frágil instante. Porém
teu silêncio de fogo e leite repõe
a força maternal, e tudo circula entre teu sopro
e teu amor. As coisas nascem de ti
como as luas nascem dos campos fecundos,
os instantes começam da tua oferenda
como as guitarras tiram seu início da música nocturna.
Mais inocente que as árvores, mais vasta
que a pedra e a morte,
a carne cresce em seu espírito cego e abstracto,
tinge a aurora pobre,
insiste de violência a imobilidade aquática.
E os astros quebram-se em luz sobre
as casas, a cidade arrebata-se,
os bichos erguem seus olhos dementes,
arde a madeira - para que tudo cante
pelo teu poder fechado.
Com minha face cheia de teu espanto e beleza,
eu sei quanto és o íntimo pudor
e a água inicial de outros sentidos.
Começa o tempo onde a mulher começa,
é sua carne que do minuto obscuro e morto
se devolve à luz.
Na morte referve o vinho, e a promessa tinge as pálpebras
com uma imagem.
Espero o tempo com a face espantada junto ao teu peito
de sal e de silêncio, concebo para minha serenidade
uma ideia de pedra e de brancura.
És tu que me aceitas em teu sorriso, que ouves,
que te alimentas de desejos puros.
E une-se ao vento o espírito, rarefaz-se a auréola,
a sombra canta baixo.
Começa o tempo onde a boca se desfaz na lua,
onde a beleza que transportas como um peso árduo
se quebra em glória junto ao meu flanco
martirizado e vivo.
- Para consagração da noite erguerei um violino,
beijarei tuas mãos fecundas, e à madrugada
darei minha voz confundida com a tua.
Oh teoria de instintos, dom de inocência,
taça para beber junto à perturbada intimidade
em que me acolhes.
Começa o tempo na insuportável ternura
com que te adivinho, o tempo onde
a vária dor envolve o barro e a estrela, onde
o encanto liga a ave ao trevo. E em sua medida
ingénua e cara, o que pressente o coração
engasta seu contorno de lume ao longe.
Bom será o tempo, bom será o espírito,
boa será nossa carne presa e morosa.
- Começa o tempo onde se une a vida
à nossa vida breve.
Estás profundamente na pedra e a pedra em mim, ó urna
salina, imagem fechada em sua força e pungência.
E o que se perde de ti, como espírito de música estiolado
em torno das violas, a morte que não beijo,
a erva incendiada que se derrama na íntima noite
- o que se perde de ti, minha voz o renova
num estilo de prata viva.
Quando o fruto empolga um instante a eternidade
inteira, eu estou no fruto como sol
e desfeita pedra, e tu és o silêncio, a cerrada
matriz de sumo e vivo gosto.
- E as aves morrem para nós, os luminosos cálices
das nuvens florescem, a resina tinge
a estrela, o aroma distancia o barro vermelho da manhã.
E estás em mim como a flor na ideia
e o livro no espaço triste.
Se te apreendessem minhas mãos, forma do vento
na cevada pura, de ti viriam cheias
minhas mãos sem nada. Se uma vida dormisses
em minha espuma,
que frescura indecisa ficaria no meu sorriso?
- No entanto és tu que te moverás na matéria
da minha boca, e serás uma árvore
dormindo e acordando onde existe o meu sangue.
Beijar teus olhos será morrer pela esperança.
Ver no aro de fogo de uma entrega
tua carne de vinho roçada pelo espírito de Deus
será criar-te para luz dos meus pulsos e instante
do meu perpétuo instante.
- Eu devo rasgar minha face para que a tua face
se encha de um minuto sobrenatural,
devo murmurar cada coisa do mundo
até que sejas o incêndio da minha voz.
As águas que um dia nasceram onde marcaste o peso
jovem da carne aspiram longamente
a nossa vida. As sombras que rodeiam
o êxtase, os bichos que levam ao fim do instinto
seu bárbaro fulgor, o rosto divino
impresso no lodo, a casa morta, a montanha
inspirada, o mar, os centauros do crepúsculo
- aspiram longamente a nossa vida.
Por isso é que estamos morrendo na boca
um do outro. Por isso é que
nos desfazemos no arco do verão, no pensamento
da brisa, no sorriso, no peixe,
no cubo, no linho, no mosto aberto
- no amor mais terrível do que a vida.
Beijo o degrau e o espaço. O meu desejo traz
o perfume da tua noite.
Murmuro os teus cabelos e o teu ventre, ó mais nua
e branca das mulheres. Correm em mim o lacre
e a cânfora, descubro tuas mãos, ergue-se tua boca
ao círculo de meu ardente pensamento.
Onde está o mar? Aves bêbedas e puras que voam
sobre o teu sorriso imenso.
Em cada espasmo eu morrerei contigo.
E peço ao vento: traz do espaço a luz inocente
das urzes, um silêncio, uma palavra;
traz da montanha um pássaro de resina, uma lua
vermelha.
Oh amados cavalos com flor de giesta nos olhos novos,
casa de madeira do planalto,
rios imaginados,
espadas, danças, superstições, cânticos, coisas
maravilhosas da noite. Ó meu amor,
em cada espasmo eu morrerei contigo.
De meu recente coração a vida inteira sobe,
o povo renasce,
o tempo ganha a alma. Meu desejo devora
a flor do vinho, envolve tuas ancas com uma espuma
de crepúsculos e crateras.
Ó pensada corola de linho, mulher que a fome
encanta pela noite equilibrada, imponderável -
em cada espasmo eu morrerei contigo.
E à alegria diurna descerro as mãos. Perde-se
entre a nuvem e o arbusto o cheiro acre e puro
da tua entrega. Bichos inclinam-se
para dentro do sono, levantam-se rosas respirando
contra o ar. Tua voz canta
o horto e a água - e eu caminho pelas ruas frias com
o lento desejo do teu corpo.
Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo.
Herberto Helder
Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.
Cantar? Longamente cantar,
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas,
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes
ele - imagem inacessível e casta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.
Ah! em cada mulher existe uma morte silenciosa;
e enquanto o dorso imagina, sob nossos dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
- Ó cabra no vento e na urze, mulher nua sob
as mãos, mulher de ventre escarlate onde o sal põe o espírito,
mulher de pés no branco, transportadora
da morte e da alegria.
Dai-me uma mulher tão nova como a resina
e o cheiro da terra.
Com uma flecha em meu flanco, cantarei.
E enquanto manar de minha carne uma videira de sangue,
cantarei seu sorriso ardendo,
suas mamas de pura substância,
a curva quente dos cabelos.
Beberei sua boca, para depois cantar a morte
e a alegria da morte.
Dai-me um torso dobrado pela música, um ligeiro
pescoço de planta,
onde uma chama comece a florir o espírito.
À tona da sua face se moverão as águas,
dentro da sua face estará a pedra da noite.
- Então cantarei a exaltante alegria da morte.
Nem sempre me incendeiam o acordar das ervas e a estrela
despenhada de sua órbita viva.
- Porém, tu sempre me incendeias.
Esqueço o arbusto impregnado de silêncio diurno, a noite
imagem pungente
com seu deus esmagado e ascendido.
- Porém, não te esquecem meus corações de sal e de brandura.
Entontece meu hálito com a sombra,
tua boca penetra a minha voz como a espada
se perde no arco.
E quando gela a mãe em sua distância amarga, a lua
estiola, a paisagem regressa ao ventre, o tempo
se desfibra - invento para ti a música, a loucura
e o mar.
Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso,
a inspiração.
E eu sei que cercaste os pensamentos com mesa e harpa.
Vou para ti com a beleza oculta,
o corpo iluminado pelas luzes longas.
Digo: eu sou a beleza, seu rosto e seu durar. Teus olhos
transfiguram-se, tuas mãos descobrem
a sombra da minha face. Agarro tua cabeça
áspera e luminosa, e digo: ouves, meu amor?, eu sou
aquilo que se espera para as coisas, para o tempo -
eu sou a beleza.
Inteira, tua vida o deseja. Para mim se erguem
teus olhos de longe. Tu própria me duras em minha velada beleza.
Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti
que me vem o fogo.
Não há gesto ou verdade onde não dormissem
tua noite e loucura,
não há vindima ou água
em que não estivesses pousando o silêncio criador.
Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos
originais.
Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra
a carne transcendente. E em ti
principiam o mar e o mundo.
Minha memória perde em sua espuma
o sinal e a vinha.
Plantas, bichos, águas cresceram como religião
sobre a vida - e eu nisso demorei
meu frágil instante. Porém
teu silêncio de fogo e leite repõe
a força maternal, e tudo circula entre teu sopro
e teu amor. As coisas nascem de ti
como as luas nascem dos campos fecundos,
os instantes começam da tua oferenda
como as guitarras tiram seu início da música nocturna.
Mais inocente que as árvores, mais vasta
que a pedra e a morte,
a carne cresce em seu espírito cego e abstracto,
tinge a aurora pobre,
insiste de violência a imobilidade aquática.
E os astros quebram-se em luz sobre
as casas, a cidade arrebata-se,
os bichos erguem seus olhos dementes,
arde a madeira - para que tudo cante
pelo teu poder fechado.
Com minha face cheia de teu espanto e beleza,
eu sei quanto és o íntimo pudor
e a água inicial de outros sentidos.
Começa o tempo onde a mulher começa,
é sua carne que do minuto obscuro e morto
se devolve à luz.
Na morte referve o vinho, e a promessa tinge as pálpebras
com uma imagem.
Espero o tempo com a face espantada junto ao teu peito
de sal e de silêncio, concebo para minha serenidade
uma ideia de pedra e de brancura.
És tu que me aceitas em teu sorriso, que ouves,
que te alimentas de desejos puros.
E une-se ao vento o espírito, rarefaz-se a auréola,
a sombra canta baixo.
Começa o tempo onde a boca se desfaz na lua,
onde a beleza que transportas como um peso árduo
se quebra em glória junto ao meu flanco
martirizado e vivo.
- Para consagração da noite erguerei um violino,
beijarei tuas mãos fecundas, e à madrugada
darei minha voz confundida com a tua.
Oh teoria de instintos, dom de inocência,
taça para beber junto à perturbada intimidade
em que me acolhes.
Começa o tempo na insuportável ternura
com que te adivinho, o tempo onde
a vária dor envolve o barro e a estrela, onde
o encanto liga a ave ao trevo. E em sua medida
ingénua e cara, o que pressente o coração
engasta seu contorno de lume ao longe.
Bom será o tempo, bom será o espírito,
boa será nossa carne presa e morosa.
- Começa o tempo onde se une a vida
à nossa vida breve.
Estás profundamente na pedra e a pedra em mim, ó urna
salina, imagem fechada em sua força e pungência.
E o que se perde de ti, como espírito de música estiolado
em torno das violas, a morte que não beijo,
a erva incendiada que se derrama na íntima noite
- o que se perde de ti, minha voz o renova
num estilo de prata viva.
Quando o fruto empolga um instante a eternidade
inteira, eu estou no fruto como sol
e desfeita pedra, e tu és o silêncio, a cerrada
matriz de sumo e vivo gosto.
- E as aves morrem para nós, os luminosos cálices
das nuvens florescem, a resina tinge
a estrela, o aroma distancia o barro vermelho da manhã.
E estás em mim como a flor na ideia
e o livro no espaço triste.
Se te apreendessem minhas mãos, forma do vento
na cevada pura, de ti viriam cheias
minhas mãos sem nada. Se uma vida dormisses
em minha espuma,
que frescura indecisa ficaria no meu sorriso?
- No entanto és tu que te moverás na matéria
da minha boca, e serás uma árvore
dormindo e acordando onde existe o meu sangue.
Beijar teus olhos será morrer pela esperança.
Ver no aro de fogo de uma entrega
tua carne de vinho roçada pelo espírito de Deus
será criar-te para luz dos meus pulsos e instante
do meu perpétuo instante.
- Eu devo rasgar minha face para que a tua face
se encha de um minuto sobrenatural,
devo murmurar cada coisa do mundo
até que sejas o incêndio da minha voz.
As águas que um dia nasceram onde marcaste o peso
jovem da carne aspiram longamente
a nossa vida. As sombras que rodeiam
o êxtase, os bichos que levam ao fim do instinto
seu bárbaro fulgor, o rosto divino
impresso no lodo, a casa morta, a montanha
inspirada, o mar, os centauros do crepúsculo
- aspiram longamente a nossa vida.
Por isso é que estamos morrendo na boca
um do outro. Por isso é que
nos desfazemos no arco do verão, no pensamento
da brisa, no sorriso, no peixe,
no cubo, no linho, no mosto aberto
- no amor mais terrível do que a vida.
Beijo o degrau e o espaço. O meu desejo traz
o perfume da tua noite.
Murmuro os teus cabelos e o teu ventre, ó mais nua
e branca das mulheres. Correm em mim o lacre
e a cânfora, descubro tuas mãos, ergue-se tua boca
ao círculo de meu ardente pensamento.
Onde está o mar? Aves bêbedas e puras que voam
sobre o teu sorriso imenso.
Em cada espasmo eu morrerei contigo.
E peço ao vento: traz do espaço a luz inocente
das urzes, um silêncio, uma palavra;
traz da montanha um pássaro de resina, uma lua
vermelha.
Oh amados cavalos com flor de giesta nos olhos novos,
casa de madeira do planalto,
rios imaginados,
espadas, danças, superstições, cânticos, coisas
maravilhosas da noite. Ó meu amor,
em cada espasmo eu morrerei contigo.
De meu recente coração a vida inteira sobe,
o povo renasce,
o tempo ganha a alma. Meu desejo devora
a flor do vinho, envolve tuas ancas com uma espuma
de crepúsculos e crateras.
Ó pensada corola de linho, mulher que a fome
encanta pela noite equilibrada, imponderável -
em cada espasmo eu morrerei contigo.
E à alegria diurna descerro as mãos. Perde-se
entre a nuvem e o arbusto o cheiro acre e puro
da tua entrega. Bichos inclinam-se
para dentro do sono, levantam-se rosas respirando
contra o ar. Tua voz canta
o horto e a água - e eu caminho pelas ruas frias com
o lento desejo do teu corpo.
Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo.
Herberto Helder
terça-feira, 8 de outubro de 2013
coisas simples
«Aprendi a não tentar convencer ninguém. O trabalho de convencer é uma falta de respeito, é uma tentativa de colonização do outro.»
8 de Outubro de 1998, José Saramago ganha o Prémio Nobel de Literatura.
8 de Outubro de 1998, José Saramago ganha o Prémio Nobel de Literatura.
coisas simples
Spring passes and one remembers one's innocence.
Summer passes and one remembers one's exuberance.
Autumn passes and one remembers one's reverence.
Winter passes and one remembers one's perseverance.
Yoko Ono
Summer passes and one remembers one's exuberance.
Autumn passes and one remembers one's reverence.
Winter passes and one remembers one's perseverance.
Yoko Ono
segunda-feira, 7 de outubro de 2013
coisas simples
«I don’t know a perfect person. I only know flawed people who are still worth loving.»
John Green
John Green
sexta-feira, 4 de outubro de 2013
amor & coisas simples
«I exist in two places,
here and where you are»
Margaret Atwood, Selected Poems, 1965-1975
here and where you are»
Margaret Atwood, Selected Poems, 1965-1975
quarta-feira, 2 de outubro de 2013
Frases que tinham tudo para dar certo
"À que agarrá-la com força!"
O Zé, a propósito da vida humana e de uma discussão sobre eutanásia.
O Zé, a propósito da vida humana e de uma discussão sobre eutanásia.
músicas para fazer o truca-truca (e pode ser ao som da chuva-lá-fora e tudo)
John Grant ft. Biggi Veira - Black Belt
coisas simples & tristes
Carta a um filho que emigrou
Não sei, meu filho, como te vai correr a vida, agora que foste à procura de emprego fora de Portugal. Nem a dos teus amigos que estão no Brasil, Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos, China, Angola, Moçambique. Sei somente que a tua geração se preparou, esforçou, estudou, trabalhou arduamente para ter um futuro diferente deste. Sei também que houve gerações antes de vossa que lutaram, sofreram, morreram para que este país fosse diferente e que não mais os seus cidadãos tivessem de emigrar para poderem ganhar a vida condignamente.
Sim, eu sei que a tua geração está muito mais bem preparada e é muito mais cosmopolita do que aquelas que emigraram nas décadas anteriores. O mundo para vocês não é algo desconhecido e que atemoriza. E sei que há muita gente que defende que esta emigração é excelente, porque vos coloca perante outras realidades profissionais, vos permite criar uma rede internacional de contactos e vos possibilita experiências que vos tornarão não só melhores especialistas nas vossas áreas como cidadãos do mundo.
Contudo, todos nós deveríamos ter o direito de viver no país onde nascemos. Emigrar por vontade e decisão é uma coisa, emigrar por necessidade e obrigação é outra muito diferente. Mas foi aqui que chegámos de novo: um país que não consegue criar empregos para os seus melhores ou que lhes oferece 700 euros por mês, que forma investigadores e cientistas em catadupa, mas que depois não lhes proporciona emprego nas empresas nacionais, que investe fortemente através dos seus impostos na formação altamente qualificada dos seus jovens e depois os deixa partir sem pestanejar para colocarem os seus conhecimentos ao serviço de outros países.
Sei ainda mais. Sei que vocês não deixam cá mulher (ou marido) e filhos. Vão constituir família nos países para onde foram obrigados a partir, ter filhos por aí, criar raízes noutras latitudes e com outras nacionalidades, o que tornará o regresso bastante mais difícil. Além disso, com a situação económica e etária que o país vive, este vai lenta e melancolicamente afundar-se com uma população de pobres, velhos e doentes, o que obviamente não atrai nem a energia nem a alegria dos jovens, nem o desejo de voltarem a viver por cá. Vocês voltarão algumas vezes pelas férias, mas a vossa vida será definitivamente nos países que vos acolheram e recompensam condignamente o vosso trabalho.
Vocês continuarão ligados a Portugal e vão até valorizar tudo o de bom que existe neste país, esquecendo a mediocridade, a inveja, a avidez, a corrupção, a luxúria, as desigualdades, a burocracia, a incompetência, o desrespeito por reformados, doentes e desempregados. Tentarão saber notícias pela net, ler livros em português, ver algum jogo de futebol nos computadores, enfim, sentirão vontade de estar mais ou menos a par do que por cá se vai passando. Mas pouco a pouco a distância, as exigências profissionais, os compromissos familiares vão sobrepor-se e vocês ir-se-ão distanciando do país e integrando cada vez mais noutras realidades, perante a indiferença da classe política e o incentivo do primeiro-ministro, que desconhece que um país que perde os seus melhores só pode ter um futuro sombrio à espera.
Parafraseando Jorge de Sena, que foi obrigado a exilar-se e sempre sentiu enorme raiva por isso, não sei que mundo será o teu, mas é possível, porque tudo é possível, que seja aquele que desejo para ti. Mas queria que fosses tu a escolhê-lo e não que te obrigassem a emigrar. E isso dói. A ti, a mim, à tua família, aos teus amigos. E devia doer, e muito, ao teu país.
Nicolau Santos
Não sei, meu filho, como te vai correr a vida, agora que foste à procura de emprego fora de Portugal. Nem a dos teus amigos que estão no Brasil, Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos, China, Angola, Moçambique. Sei somente que a tua geração se preparou, esforçou, estudou, trabalhou arduamente para ter um futuro diferente deste. Sei também que houve gerações antes de vossa que lutaram, sofreram, morreram para que este país fosse diferente e que não mais os seus cidadãos tivessem de emigrar para poderem ganhar a vida condignamente.
Sim, eu sei que a tua geração está muito mais bem preparada e é muito mais cosmopolita do que aquelas que emigraram nas décadas anteriores. O mundo para vocês não é algo desconhecido e que atemoriza. E sei que há muita gente que defende que esta emigração é excelente, porque vos coloca perante outras realidades profissionais, vos permite criar uma rede internacional de contactos e vos possibilita experiências que vos tornarão não só melhores especialistas nas vossas áreas como cidadãos do mundo.
Contudo, todos nós deveríamos ter o direito de viver no país onde nascemos. Emigrar por vontade e decisão é uma coisa, emigrar por necessidade e obrigação é outra muito diferente. Mas foi aqui que chegámos de novo: um país que não consegue criar empregos para os seus melhores ou que lhes oferece 700 euros por mês, que forma investigadores e cientistas em catadupa, mas que depois não lhes proporciona emprego nas empresas nacionais, que investe fortemente através dos seus impostos na formação altamente qualificada dos seus jovens e depois os deixa partir sem pestanejar para colocarem os seus conhecimentos ao serviço de outros países.
Sei ainda mais. Sei que vocês não deixam cá mulher (ou marido) e filhos. Vão constituir família nos países para onde foram obrigados a partir, ter filhos por aí, criar raízes noutras latitudes e com outras nacionalidades, o que tornará o regresso bastante mais difícil. Além disso, com a situação económica e etária que o país vive, este vai lenta e melancolicamente afundar-se com uma população de pobres, velhos e doentes, o que obviamente não atrai nem a energia nem a alegria dos jovens, nem o desejo de voltarem a viver por cá. Vocês voltarão algumas vezes pelas férias, mas a vossa vida será definitivamente nos países que vos acolheram e recompensam condignamente o vosso trabalho.
Vocês continuarão ligados a Portugal e vão até valorizar tudo o de bom que existe neste país, esquecendo a mediocridade, a inveja, a avidez, a corrupção, a luxúria, as desigualdades, a burocracia, a incompetência, o desrespeito por reformados, doentes e desempregados. Tentarão saber notícias pela net, ler livros em português, ver algum jogo de futebol nos computadores, enfim, sentirão vontade de estar mais ou menos a par do que por cá se vai passando. Mas pouco a pouco a distância, as exigências profissionais, os compromissos familiares vão sobrepor-se e vocês ir-se-ão distanciando do país e integrando cada vez mais noutras realidades, perante a indiferença da classe política e o incentivo do primeiro-ministro, que desconhece que um país que perde os seus melhores só pode ter um futuro sombrio à espera.
Parafraseando Jorge de Sena, que foi obrigado a exilar-se e sempre sentiu enorme raiva por isso, não sei que mundo será o teu, mas é possível, porque tudo é possível, que seja aquele que desejo para ti. Mas queria que fosses tu a escolhê-lo e não que te obrigassem a emigrar. E isso dói. A ti, a mim, à tua família, aos teus amigos. E devia doer, e muito, ao teu país.
Nicolau Santos
coisas (literalmente) simples
«It is enough for me to be sure that you and I exist at this moment.»
Gabriel García Márquez, One Hundred Years of Solitude
Gabriel García Márquez, One Hundred Years of Solitude
terça-feira, 1 de outubro de 2013
segunda-feira, 30 de setembro de 2013
coisas (literalmente) simples
«There are women who inspire you with the desire to conquer them and to take your pleasure of them; but this one fills you only with the desire to die slowly beneath her gaze.»
Charles Baudelaire
Charles Baudelaire
sábado, 28 de setembro de 2013
amor, coisas simples & até sempre
É por Ti que Vivo
Amo o teu túmido candor de astro
a tua pura integridade delicada
a tua permanente adolescência de segredo
a tua fragilidade acesa sempre altiva
Por ti eu sou a leve segurança
de um peito que pulsa e canta a sua chama
que se levanta e inclina ao teu hálito de pássaro
ou à chuva das tuas pétalas de prata
Se guardo algum tesouro não o prendo
porque quero oferecer-te a paz de um sonho aberto
que dure e flua nas tuas veias lentas
e seja um perfume ou um beijo um suspiro solar
Ofereço-te esta frágil flor esta pedra de chuva
para que sintas a verde frescura
de um pomar de brancas cortesias
porque é por ti que vivo é por ti que nasço
porque amo o ouro vivo do teu rosto
António Ramos Rosa, O Teu Rosto
Amo o teu túmido candor de astro
a tua pura integridade delicada
a tua permanente adolescência de segredo
a tua fragilidade acesa sempre altiva
Por ti eu sou a leve segurança
de um peito que pulsa e canta a sua chama
que se levanta e inclina ao teu hálito de pássaro
ou à chuva das tuas pétalas de prata
Se guardo algum tesouro não o prendo
porque quero oferecer-te a paz de um sonho aberto
que dure e flua nas tuas veias lentas
e seja um perfume ou um beijo um suspiro solar
Ofereço-te esta frágil flor esta pedra de chuva
para que sintas a verde frescura
de um pomar de brancas cortesias
porque é por ti que vivo é por ti que nasço
porque amo o ouro vivo do teu rosto
António Ramos Rosa, O Teu Rosto
sexta-feira, 20 de setembro de 2013
lambarices
Se houvesse degraus na terra...
Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.
Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.
Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.
Herberto Helder
Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.
Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.
Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.
Herberto Helder
Soon...
Nymphomaniac appetizer - Chapter 1: The Compleat Angler
Nymphomaniac appetizer - Chapter 2: Jerôme
Nymphomaniac appetizer - Chapter 3: Mrs. H
frases que tinham tudo para dar certo
"Apanho aí pelas sete horas."
O Zé, a propósito da encomenda de um bolo.
O Zé, a propósito da encomenda de um bolo.
quinta-feira, 19 de setembro de 2013
serenidades
Serenamente
Aqui serenamente
sou feliz
sem qualquer memória do passado
sem qualquer cansaço
mascarado
ou trevas que encubram
qualquer escombro
aqui tudo o que há
é reencontro
de ti tudo o que vem
é quente e súbito
da tua voz
amor
do nosso encontro único
Maria Teresa Horta
Poesia Reunida
Aqui serenamente
sou feliz
sem qualquer memória do passado
sem qualquer cansaço
mascarado
ou trevas que encubram
qualquer escombro
aqui tudo o que há
é reencontro
de ti tudo o que vem
é quente e súbito
da tua voz
amor
do nosso encontro único
Maria Teresa Horta
Poesia Reunida
quarta-feira, 18 de setembro de 2013
amor & coisas simples
Fonte - I
Ela é a fonte. Eu posso saber que é
a grande fonte
em que todos pensaram. Quando no campo
se procurava o trevo, ou em silêncio
se esperava a noite,
ou se ouvia algures na paz da terra
o urdir do tempo ---
cada um pensava na fonte. Era um manar
secreto e pacífico.
Uma coisa milagrosa que acontecia
ocultamente.
Ninguém falava dela, porque
era imensa. Mas todos a sabiam
como a teta. Como o odre.
Algo sorria dentro de nós.
Minhas irmãs faziam-se mulheres
suavemente. Meu pai lia.
Sorria dentro de mim uma aceitação
do trevo, uma descoberta muito casta.
Era a fonte.
Eu amava-a dolorosa e tranquilamente.
A lua formava-se
com uma ponta subtil de ferocidade,
e a maçã tomava um princípio
de esplendor.
Hoje o sexo desenhou-se. O pensamento
perdeu-se e renasceu.
Hoje sei permanentemente que ela
é a fonte.
Herberto Helder
Ela é a fonte. Eu posso saber que é
a grande fonte
em que todos pensaram. Quando no campo
se procurava o trevo, ou em silêncio
se esperava a noite,
ou se ouvia algures na paz da terra
o urdir do tempo ---
cada um pensava na fonte. Era um manar
secreto e pacífico.
Uma coisa milagrosa que acontecia
ocultamente.
Ninguém falava dela, porque
era imensa. Mas todos a sabiam
como a teta. Como o odre.
Algo sorria dentro de nós.
Minhas irmãs faziam-se mulheres
suavemente. Meu pai lia.
Sorria dentro de mim uma aceitação
do trevo, uma descoberta muito casta.
Era a fonte.
Eu amava-a dolorosa e tranquilamente.
A lua formava-se
com uma ponta subtil de ferocidade,
e a maçã tomava um princípio
de esplendor.
Hoje o sexo desenhou-se. O pensamento
perdeu-se e renasceu.
Hoje sei permanentemente que ela
é a fonte.
Herberto Helder
terça-feira, 17 de setembro de 2013
amor & coisas simples
«I would like to be the air that inhabits you for a moment only. I would like to be that unnoticed and that necessary.»
Margaret Atwood
Margaret Atwood
segunda-feira, 16 de setembro de 2013
coisas simples
I'll tell you something I believe is true
Happiness is me and you
Gilbert O'Sullivan - Happiness Is Me And You
enquadramentos
Every mouth you’ve ever kissed was just practice. All the bodies you’ve ever undressed and ploughed in to were preparing you for me. I don’t mind tasting them in the memory of your mouth.
Was it a long journey? Did it take you long to find me?
You’re here now, welcome home.
Warsan Shire
Was it a long journey? Did it take you long to find me?
You’re here now, welcome home.
Warsan Shire
sexta-feira, 13 de setembro de 2013
vem outono, estás perdoado
Uma emergência de Outono
As cores da maçã assada aberta
pelo fim do verão antecipam no palato
uma emergência de outono.
Convida a ficar por casa
esta maçã que feri e salpiquei pelo torso
com cézannes de canela.
Sob a epiderme tisnada (cor
amarelo-pecado) é
perene o seu sabor. Vê só
como jazem nuas
suas vestes pelo prato
(qual roupa de rapariga desbragada
pelo chão).
João Luís Barreto Guimarães
A Parte pelo Todo, 2009
As cores da maçã assada aberta
pelo fim do verão antecipam no palato
uma emergência de outono.
Convida a ficar por casa
esta maçã que feri e salpiquei pelo torso
com cézannes de canela.
Sob a epiderme tisnada (cor
amarelo-pecado) é
perene o seu sabor. Vê só
como jazem nuas
suas vestes pelo prato
(qual roupa de rapariga desbragada
pelo chão).
João Luís Barreto Guimarães
A Parte pelo Todo, 2009
quinta-feira, 12 de setembro de 2013
amor & coisas simples
«I want to moan and writhe with you and I want to go up to you and kiss your mouth and pull you to me and say ‘I love you I love you I love you’. I want you so bad it stings.»
Bret Easton Ellis
Bret Easton Ellis
Subscrever:
Mensagens (Atom)