sexta-feira, 30 de maio de 2014

doping (pseudo) *

Lorentz - Allt från mig from Marcus Lundin on Vimeo.


Lorentz - Allt från mig

* Não confundir com "pseudo doping".

coisas simples

Comer uma laranja
é como ingerir o próprio sol,
com a boca cheia de luz

não há portanto
espaço
para palavras
sobre mim.


Luís Filipe Parrado, Entre a Carne e o Osso, 2012

lambarices



World's first wingsuit base jumping dog

quarta-feira, 28 de maio de 2014

até sempre

A Brave and Startling Truth

We, this people, on a small and lonely planet
Traveling through casual space
Past aloof stars, across the way of indifferent suns
To a destination where all signs tell us
It is possible and imperative that we learn
A brave and startling truth

And when we come to it
To the day of peacemaking
When we release our fingers
From fists of hostility
And allow the pure air to cool our palms

When we come to it
When the curtain falls on the minstrel show of hate
And faces sooted with scorn are scrubbed clean
When battlefields and coliseum
No longer rake our unique and particular sons and daughters
Up with the bruised and bloody grass
To lie in identical plots in foreign soil

When the rapacious storming of the churches
The screaming racket in the temples have ceased
When the pennants are waving gaily
When the banners of the world tremble
Stoutly in the good, clean breeze

When we come to it
When we let the rifles fall from our shoulders
And children dress their dolls in flags of truce
When land mines of death have been removed
And the aged can walk into evenings of peace
When religious ritual is not perfumed
By the incense of burning flesh
And childhood dreams are not kicked awake
By nightmares of abuse

When we come to it
Then we will confess that not the Pyramids
With their stones set in mysterious perfection
Nor the Gardens of Babylon
Hanging as eternal beauty
In our collective memory
Not the Grand Canyon
Kindled into delicious color
By Western sunsets

Nor the Danube, flowing its blue soul into Europe
Not the sacred peak of Mount Fuji
Stretching to the Rising Sun
Neither Father Amazon nor Mother Mississippi who, without favor,
Nurture all creatures in the depths and on the shores
These are not the only wonders of the world

When we come to it
We, this people, on this minuscule and kithless globe
Who reach daily for the bomb, the blade and the dagger
Yet who petition in the dark for tokens of peace
We, this people on this mote of matter
In whose mouths abide cankerous words
Which challenge our very existence
Yet out of those same mouths
Come songs of such exquisite sweetness
That the heart falters in its labor
And the body is quieted into awe

We, this people, on this small and drifting planet
Whose hands can strike with such abandon
That in a twinkling, life is sapped from the living
Yet those same hands can touch with such healing, irresistible tenderness
That the haughty neck is happy to bow
And the proud back is glad to bend
Out of such chaos, of such contradiction
We learn that we are neither devils nor divines

When we come to it
We, this people, on this wayward, floating body
Created on this earth, of this earth
Have the power to fashion for this earth
A climate where every man and every woman
Can live freely without sanctimonious piety
Without crippling fear

When we come to it
We must confess that we are the possible
We are the miraculous, the true wonder of this world
That is when, and only when
We come to it.


Maya Angelou

ainda a propósito



Never forget To vote

terça-feira, 27 de maio de 2014

coisas simples


Henrique Monteiro, aqui.

doping



David Bowie - John, I'm Only Dancing

rescaldos

CEE: crónica de umas eleições europeias

Um homem grita com o amigo com quem grita sempre. O amigo contrapõe com um berro mais contido enquanto mira o céu. O homem imita-o. Têm nas costas a mesma toalha de piquenique, mas quando olham para a frente – isto é, para cima – não vêem o mesmo azul. Ambos vêem as nuvens. Ambos sentem o vento frio. Mas só o homem está de calções. Avisaram-no para se agasalhar, mas ele arriscou, argumentando que não podemos adiar indefinidamente a Primavera até que ela nos caia de podre em cima do colo. E argumentando ainda: sempre que possível temos de ser a Primavera, para não sufocarmos no Verão.

Um homem vai para uma esplanada ver a final da Liga dos Campeões e não encontra os seus irmãos espanhóis. Numa cidade a abarrotar de adeptos madrilenos, tudo o que tem à sua volta são telhados de Lisboa. Quando chega à esplanada, a esplanada está vazia. Após o golo do Atlético de Madrid, reflecte e escreve uma metáfora sobre a Europa que mais tarde transcreverá para um caderno: o que terá acontecido ao bom e velho Casillas?

Um homem volta a casa para jantar, vê televisão e agarra no telemóvel. Passa a hora a ler mensagens partilhadas nas redes sociais. Todos os que intervêm fazem-no para apelar ao voto. Puxam pelo brio. Apelam à honra. Bramem o cosmopolitismo. Clamam: a vergonha da abstenção. O desinteresse. A negligência cívica. Acusam. Acusam de tudo. Debalde, como se verá. Os eleitores ignorarão as eleições europeias com a mesma vontade de quem lambe dos beiços os cominhos que sobram no bigode da malga de papas de sarrabulho. Há respostas às incitações à participação eleitoral: desresponsabilização, autocomplacência, autocomiseração.

Um homem vai para a cama e, em vez de deitar-se, senta-se. Tenta dar sentido ao dia de reflexão e pensa. Tira notas. Nada aponta sobre literacia. Nada aponta sobre a “qualidade” dos políticos. Nada aponta que não seja: um homem grita com o amigo com quem grita sempre. Fecha o caderno e abre o Saramago. Não está disposto a dispensar o seu voto a eurocépticos, mas lê. Lê com desânimo mais um capítulo sobre o homem que busca o seu duplicado.

Um homem acorda de manhã e faz amor com a sua mulher. Será o único momento feliz do dia. A democracia fará dele um homem triste: este não votará, aquela não votará, aqueloutros não votarão. Lê as notícias sobre o crime anti-semita na Bélgica e revê sondagens. A rua está morta – mas como, se a praia está vazia? De volta à televisão, vê escolas também vazias. Não de alunos, de gente graúda, de gente de peito feito e de pêlo na venta. Antes de sair, liga para a terra e informa-se do estado das ruas por lá: cheias, mas para a peregrinação da Senhora da Saúde. Antes sete quilómetros andados por fé do que uns metros nos infernos da austeridade. Percebe-se.

Um homem veste uma camisa e sai. Quando chega ao seu local de voto, depara-se com uma fila de gente para a secção de hambúrgueres & couratos. Lá dentro, encontrará fila menor para votar, quase nada: duas pessoas, três. À entrada, uma criatura de peito feito, e cheio, escarnece de quem chega para votar. À saída lá continuará, escarnecendo, para quem a quiser ouvir. O pavilhão está vazio. Encarando um grande momento da vida democrática, o homem mingua. Sente-se sozinho e não sabe onde encontrar gente. Mas sabe que no limite um país de abstencionistas é uma democracia de um homem só. E nenhum homem só é boa companhia.


Hugo Torres, que escreve bem e ainda por cima às vezes joga à bola comigo, aqui.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

sexta-feira, 23 de maio de 2014

ainda há esperança



The Conditioned

coisas simples

Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.
A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.
Suave é viver
só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.
Vê de longe
a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.
Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.


Nuno Júdice

terça-feira, 20 de maio de 2014

ainda há esperança



Family saves humpback whale

lambarices

Acordar

Acordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras,
Acordar da Rua do Ouro,
Acordar do Rossio, às portas dos cafés,
Acordar
E no meio de tudo a gare, que nunca dorme,
Como um coração que tem que pulsar através da vigília e do sono.

Toda a manhã que raia, raia sempre no mesmo lugar,
Não há manhãs sobre cidades, ou manhãs sobre o campo.
À hora em que o dia raia, em que a luz estremece a erguer-se
Todos os lugares são o mesmo lugar, todas as terras são a mesma,
E é eterna e de todos os lugares a frescura que sobe por tudo.

Uma espiritualidade feita com a nossa própria carne,
Um alívio de viver de que o nosso corpo partilha,
Um entusiasmo por o dia que vai vir, uma alegria por o que pode acontecer de bom,
São os sentimentos que nascem de estar olhando para a madrugada,
Seja ela a leve senhora dos cumes dos montes,
Seja ela a invasora lenta das ruas das cidades que vão leste-oeste,
Seja

A mulher que chora baixinho
Entre o ruído da multidão em vivas...
O vendedor de ruas, que tem um pregão esquisito,
Cheio de individualidade para quem repara...
O arcanjo isolado, escultura numa catedral,
Siringe fugindo aos braços estendidos de Pã,
Tudo isto tende para o mesmo centro,
Busca encontrar-se e fundir-se
Na minha alma.

Eu adoro todas as coisas
E o meu coração é um albergue aberto toda a noite.
Tenho pela vida um interesse ávido
Que busca compreendê-la sentindo-a muito.
Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo,
Aos homens e às pedras, às almas e às máquinas,
Para aumentar com isso a minha personalidade.

Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio
E a minha ambição era trazer o universo ao colo
Como uma criança a quem a ama beija.
Eu amo todas as coisas, umas mais do que as outras,
Não nenhuma mais do que outra, mas sempre mais as que estou vendo
Do que as que vi ou verei.
Nada para mim é tão belo como o movimento e as sensações.
A vida é uma grande feira e tudo são barracas e saltimbancos.
Penso nisto, enterneço-me mas não sossego nunca.

Dá-me lírios, lírios
E rosas também.
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também,
Crisântemos, dálias,
Violetas, e os girassóis
Acima de todas as flores...

Deita-me as mancheias,
Por cima da alma,
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...

Meu coração chora
Na sombra dos parques,
Não tem quem o console
Verdadeiramente,
Exceto a própria sombra dos parques
Entrando-me na alma,
Através do pranto.
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...

Minha dor é velha
Como um frasco de essência cheio de pó.
Minha dor é inútil
Como uma gaiola numa terra onde não há aves,
E minha dor é silenciosa e triste
Como a parte da praia onde o mar não chega.
Chego às janelas
Dos palácios arruinados
E cismo de dentro para fora
Para me consolar do presente.
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...

Mas por mais rosas e lírios que me dês,
Eu nunca acharei que a vida é bastante.
Faltar-me-á sempre qualquer coisa,
Sobrar-me-á sempre de que desejar,
Como um palco deserto.

Por isso, não te importes com o que eu penso,
E muito embora o que eu te peça
Te pareça que não quer dizer nada,
Minha pobre criança tísica,
Dá-me das tuas rosas e dos teus lírios,
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...


Álvaro de Campos, Poemas.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

música do dia



Os Detroia - Bela (Não Faz Isso Bela)

E a explicação:

quarta-feira, 14 de maio de 2014

doping



You're my favourite daydream

Twin Shadow - Castles In The Snow

terça-feira, 13 de maio de 2014

coisas simples

Nunca são as coisas mais simples que aparecem
quando as esperamos. O que é mais simples,
como o amor, ou o mais evidente dos sorrisos, não se
encontra no curso previsível da vida. Porém, se
nos distraímos do calendário, ou se o acaso dos passos
nos empurrou para fora do caminho habitual,
então as coisas são outras. Nada do que se espera
transforma o que somos se não for isso:
um desvio no olhar; ou a mão que se demora
no teu ombro, forçando uma aproximação

dos lábios.

Nuno Júdice

doping



Metronomy - Reservoir

segunda-feira, 12 de maio de 2014

incondicionais


«My mother was
my first country.
The first place I ever lived.»


Nayyirah Waheed

domingo, 11 de maio de 2014

Coisas simples

"Há dias fui buscá-lo à escola [ao filho] e descobri-o num estado próximo do de um refugiado sírio, com folhas no cabelo e o casaco coberto de terra.
 
“O que é que te aconteceu?”
“Andei pelo chão”.
“Mas porquê?”, perguntei, imaginando-me dentro de anos a ir pô-lo no Patriarche, com um vício em heroína, ou a ir buscá-lo ao hospital após um acidente de mota.
“Por causa das minhocas”.
“Que minhocas?”
“Há minhocas na terra”.
“E então?”.
“Eu queria ver as minhocas e por isso andei pela terra”.
 
Confesso que fiquei comovido com o meu pequeno bronco: o palerma demonstrou curiosidade, o princípio básico da inteligência (que se opõe às certezas do bom gosto). Tinham-lhe dito que havia minhocas na terra e ele não foi de modas: toca a ir para o chão procurá-las.
 
“Encontraste alguma?”
“Não. Mas amanhã vou procurar outra vez”. Há-de haver lugar no mundo para putos broncos, sem poesia, que não foram desenhados desde bebés para serem especiais."

João Bonifácio

sexta-feira, 2 de maio de 2014

coisas simples

I don’t mind getting naked or seeing you naked.
I don’t mind talking about sex or having sex
or never having sex. I don’t mind my body
or your body with mine. I don’t mind
your sweaty palms, your chapped lips,
your dirty tongue. I don’t mind
your noisy music, your crappy poetry,
your soiled shoes and ugly handwriting.
I don’t mind 2ams and late night
phone calls, stolen kisses and white lies.
I don’t mind your half-eaten donut,
frozen teabags and sticky hair.
I want your toothbrush’s head
leaning towards mine. I want
your 4am back massage.
Cup my breasts and don’t say
they’re small. I already know that.
Kiss me once and kiss me more.
Pretend what we’re doing is illegal.
It’s always good to be caught
with our mouths tied together
like handcuffs. Dry your cheeks
and make me bleed.
Crave me.
Crave me.
Crave me.


irishjulienne, in the name of intimacy

lambarices



Mac Demarco - Salad Days