Carta a um filho que emigrou
Não sei, meu filho, como te vai correr a vida, agora que foste à procura de emprego fora de Portugal. Nem a dos teus amigos que estão no Brasil, Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos, China, Angola, Moçambique. Sei somente que a tua geração se preparou, esforçou, estudou, trabalhou arduamente para ter um futuro diferente deste. Sei também que houve gerações antes de vossa que lutaram, sofreram, morreram para que este país fosse diferente e que não mais os seus cidadãos tivessem de emigrar para poderem ganhar a vida condignamente.
Sim, eu sei que a tua geração está muito mais bem preparada e é muito mais cosmopolita do que aquelas que emigraram nas décadas anteriores. O mundo para vocês não é algo desconhecido e que atemoriza. E sei que há muita gente que defende que esta emigração é excelente, porque vos coloca perante outras realidades profissionais, vos permite criar uma rede internacional de contactos e vos possibilita experiências que vos tornarão não só melhores especialistas nas vossas áreas como cidadãos do mundo.
Contudo, todos nós deveríamos ter o direito de viver no país onde nascemos. Emigrar por vontade e decisão é uma coisa, emigrar por necessidade e obrigação é outra muito diferente. Mas foi aqui que chegámos de novo: um país que não consegue criar empregos para os seus melhores ou que lhes oferece 700 euros por mês, que forma investigadores e cientistas em catadupa, mas que depois não lhes proporciona emprego nas empresas nacionais, que investe fortemente através dos seus impostos na formação altamente qualificada dos seus jovens e depois os deixa partir sem pestanejar para colocarem os seus conhecimentos ao serviço de outros países.
Sei ainda mais. Sei que vocês não deixam cá mulher (ou marido) e filhos. Vão constituir família nos países para onde foram obrigados a partir, ter filhos por aí, criar raízes noutras latitudes e com outras nacionalidades, o que tornará o regresso bastante mais difícil. Além disso, com a situação económica e etária que o país vive, este vai lenta e melancolicamente afundar-se com uma população de pobres, velhos e doentes, o que obviamente não atrai nem a energia nem a alegria dos jovens, nem o desejo de voltarem a viver por cá. Vocês voltarão algumas vezes pelas férias, mas a vossa vida será definitivamente nos países que vos acolheram e recompensam condignamente o vosso trabalho.
Vocês continuarão ligados a Portugal e vão até valorizar tudo o de bom que existe neste país, esquecendo a mediocridade, a inveja, a avidez, a corrupção, a luxúria, as desigualdades, a burocracia, a incompetência, o desrespeito por reformados, doentes e desempregados. Tentarão saber notícias pela net, ler livros em português, ver algum jogo de futebol nos computadores, enfim, sentirão vontade de estar mais ou menos a par do que por cá se vai passando. Mas pouco a pouco a distância, as exigências profissionais, os compromissos familiares vão sobrepor-se e vocês ir-se-ão distanciando do país e integrando cada vez mais noutras realidades, perante a indiferença da classe política e o incentivo do primeiro-ministro, que desconhece que um país que perde os seus melhores só pode ter um futuro sombrio à espera.
Parafraseando Jorge de Sena, que foi obrigado a exilar-se e sempre sentiu enorme raiva por isso, não sei que mundo será o teu, mas é possível, porque tudo é possível, que seja aquele que desejo para ti. Mas queria que fosses tu a escolhê-lo e não que te obrigassem a emigrar. E isso dói. A ti, a mim, à tua família, aos teus amigos. E devia doer, e muito, ao teu país.
Nicolau Santos
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