«O presidente da Rede Europeia Antipobreza, Sérgio Aires, costuma dizer que "quem é pobre não é livre". É uma daquelas verdades que todos intuímos, mas cujo alcance só conseguimos entender quando a realidade nos esmurra o estômago e a alma. A notícia que hoje publicamos na página 20 é uma valente sova. E uma imoralidade.
Resumidamente: a altruísta Associação Empresarial de Penafiel contratou quatro desempregados para fazerem de Pai Natal nas ruas da cidade durante todo o mês de dezembro. Paga-lhes 83 euros. Feitas as contas, dá 43 cêntimos por hora. A este magnífico honorário são acrescentados dois luxos: subsídio de transporte e alimentação.
Para ganharem os 83 eurinhos, os desempregados, operários de construção civil, passam seis horas e meia, de segunda a domingo, metidos em casinhas espalhadas por Penafiel, distribuindo balões e carinhos pelas crianças que passam.
Estes homens não são livres, porque a pobreza lhes rouba a capacidade de recusarem uma proposta de trabalho tão indigna quanto esta. O problema não está no serviço que prestam, está no que lhes é pago pelo que fazem. E que eles são forçados a aceitar, por viverem mergulhados numa vida que os atropelou e onde todos os cêntimos contam para garantir a sobrevivência deles e dos seus.
Thomas Carlyle, historiador e ensaísta escocês, dizia que "de qualquer tipo que seja a pobreza, ela não é a causa da imoralidade, mas o efeito".
Pereira Leite, presidente da Associação Comercial de Penafiel, terá seguramente muita dificuldade em entender esta relação de causa e efeito. Caso contrário, não lhe teria sequer passado pela cabeça oferecer 43 cêntimos por hora a quatro desempregados sem perceber que estava a promover uma gigante imoralidade.
Para o presidente da Associação Comercial de Penafiel, basta que o processo de candidaturas cumpra o estipulado por lei, como cumpriu. A seguir resta à Associação, como restou, selecionar os candidatos com melhor perfil para a tarefa. Tudo o que vá para além dessa tralha burocrática é pouco, ou nada, relevante.
Há nisto algo de terrivelmente cínico e imoral: os melhores candidatos para a "tarefa" são os que não podem recusar a "tarefa". Esta ou outra que lhes apareça pela frente. Há nisto algo de terrivelmente perturbador: uma entidade que, supostamente, existe para defender o comércio e a economia local não pode, não deve aproveitar-se da fraqueza dos outros para cumprir um objetivo, por muito de mérito que ele seja. Se a Associação não tem dinheiro para mais, contenta-se com menos. Puxa pela cabeça para achar outras soluções. Faz qualquer coisa que não humilhe pessoas. E que não humilhe a própria Associação.»
Paulo Ferreira, aqui
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