quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

paroxismo *

'Ao sol PURO eu escrevo, em plena rua,
em pleno mar, onde posso canto,
somente a noite nómada me detém
mas na sua interrupção ganho espaço,
ganho sombra para muito tempo.

O trigo negro da noite cresce
enquanto meus olhos medem a pradaria
e assim de sol a sol faço as chaves:
procuro na obscuridade das fechaduras
e vou abrindo ao mar as portas rota
até encher armários com espuma.

E não me canso de ir e de voltar;
não me pára a morte com sua pedra,
não me canso de ser e de não ser.

Às vezes eu pergunto-me se de onde
se do pai ou da mãe ou montanha
herdei os deveres minerais,

as linhas do oceano inflamadas
e sei que sigo e sigo porque sigo
e canto porque canto e porque canto.

Não tem explicação o que acontece
quando fecho os olhos e circulo
como entre dois canais submarinos,
um a morrer me leva na sua corrente
e o outro canta para que eu cante.

Assim pois de não ser estou composto
e como o mar assalta o recife
com cápsulas salgadas de brancura
e retrata a pedra com a onda,
assim o que na morte me rodeia
abre em mim a janela da vida
e em pleno paroxismo estou dormindo.
Em plena luz caminho pela sombra.'


pablo neruda

* (do grego paroxysmós, 'auge'; nome masculino) a maior intensidade de um acesso, de uma dor, de um prazer; (medicina) período de uma doença em que os sintomas são mais agudos; últimos paroxismos: agonia antes da morte.

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